A culturas dos Feriados no Brasil
Ela perdeu um rim. E você, quanto perde com os feriados excessivos do Brasil?
A história de Meire Silva mostra quanto a cultura dos recessos no Brasil é prejudicial
Não
é difícil encontrar alguém contando os dias para a chegada de um
feriado. A mineira Meire Silva contou dias, meses e anos para conseguir
uma vida nova, mas foi exatamente por causa do recesso que o tão
esperado sonho não se realizou. A dona de casa tem problemas renais e
está na fila de transplantes há 14 anos. Na semana do carnaval, ela
finalmente conseguiu um rim compatível, mas a cirurgia não foi feita.
A chance de ganhar um novo órgão e ficar
livre das intensas sessões de hemodiálise chegou ao fim de forma
trágica e inacreditável. Por conta da interrupção dos serviços básicos
de saúde, a equipe médica não teve acesso ao resultado de um dos exames
indispensáveis para o transplante. O departamento que deveria emitir o
laudo de uma biópsia feita em dezembro estava fechado. Sem escolha,
Meire voltou para a fila.
A história da mineira foi mostrada na
semana passada pelo “Jornal da Record”. Segundo o veículo, a Central de
Transplantes de Belo Horizonte possui duas mil pessoas à espera de um
órgão compatível. Não se sabe ainda por quanto tempo ela aguardará por
uma nova oportunidade. Em todo o País, boa parte dos serviços é
interrompida em hospitais, comércio, bancos, instituições, indústrias e
repartições públicas. Mas você sabe qual o custo de tantos feriados para
Brasil?
Enquanto muitos curtem as folgas
oficiais, a nação deixa de crescer e a economia despenca. Um estudo
feito pela Economist Intelligence Unit (EUI) mostra que em 2014 o País
pode cair da sétima para a nona posição entre as maiores economias do
mundo. O baixo crescimento previsto para este ano e a forte
desvalorização do real estão entre os principais motivos.
O
Produto Interno Bruto (PIB) – medida que determina os valores
monetários da produtividade de um país – do Brasil foi de
aproximadamente US$ 2,1 trilhões em 2013. Ou seja, pode-se dizer que a
produção nacional é de US$ 5,7 bilhões ao dia. Em reais, cada dia parado
equivale a R$ 13,4 bilhões. A população só teria a ganhar, caso todo
esse valor fosse convertido em benefícios e melhorias.
Em janeiro, o governo federal publicou
no Diário Oficial da União (DOU) o calendário oficial de feriados de
2014. Ao todo, serão nove dias de recesso não remunerado. Os dias de
Corpus Christi (19/6), do Servidor Público (28/10), além da véspera de
Natal (24/12, após as 12 horas) e véspera de Ano- Novo (31/12, após as
12 horas) são pontos facultativos. Você sabia que os dias de carnaval
(3, 4 e 5 de março, até as 12 horas) também são facultativos?
Apenas o estado do Rio de Janeiro possui
legislação própria (Lei 5243/2008) que garante paralisação oficial na
terça-feira. Em outras cidades e estados, cabe ao empregador decidir se
considera ou não o recesso. Na prática, o que se vê é a interrupção das
atividades não apenas nas cidades em que ocorrem os festejos, mas em
todo o Brasil. A festa popular é, na verdade, para pular. Pular e fechar
os olhos para os problemas enfrentados pelo País o ano inteiro. No mês
do carnaval, eles desaparecem como em um passe de mágica.
O próximo “feriadão” acontecerá na
terceira semana do mês de abril, quando será possível unir o feriado da
Paixão de Cristo (18/4), que cai numa sexta-feira, ao feriado de
Tiradentes (21/4), que cairá na segunda-feira. No segundo semestre, os
feriados não ocorrerão em dias úteis, a exemplo do Dia da Independência
(7/9), em um domingo, e o Dia da Proclamação da República (15/11), no
sábado.
Acha
pouco? Com a Copa do Mundo, o número deverá aumentar. De acordo com a
Lei Geral da Copa, sancionada em 2012, o governo federal poderá
determinar que os dias em que a seleção brasileira estiver em campo se
tornem feriados nacionais. A data da primeira partida disputada, 12/6
(quinta-feira), poderá ser dia de paralisação oficial. As outras
partidas já determinadas acontecerão no dia 17/6 (terça-feira) e 23/6
(segunda-feira). Todo o País permanecerá parado em função do Mundial.
No ano passado, os feriados e pontos
facultativos causaram um prejuízo à indústria brasileira de R$ 42
bilhões, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Neste ano, apenas no período de paralisação por conta da Copa do Mundo,
a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São
Paulo (Fecomercio-SP) estima um prejuízo na produção de aproximadamente
R$ 30 milhões. Com esse valor, seria possível construir cerca de 600
unidades residenciais do projeto Minha Casa, Minha Vida.
O gerente comercial Sérgio Paulo de
Oliveira concorda com os prejuízos. “Não acho que deva ser diferente de
outros países, mas acho que, no Brasil, falta estrutura para que isso
não afete a produção do País. Do jeito que é, acho ruim, porque tenho
uma equipe de vendas e todos os negócios ficam parados durante os
feriados. Isso gera atraso e perdas, porque o serviço está parado, mas
os encargos e impostos continuam a ser cobrados.”
É muito feriado para pouca
produtividade. A empresa global de consultoria Mercer divulgou em 2011
uma pesquisa que retratou os países com o maior número de férias e
folgas. O Brasil está entre os dez primeiros com mais feriados
nacionais. A Colômbia é o país campeão, com 18 ao todo. Líbano, Índia e
Tailândia em segundo, com 16. Chipre, Japão, Eslováquia, Coreia do Sul e
Filipinas em terceiro, com 15.
Os Estados Unidos estão bem abaixo na
lista. De acordo com o mesmo levantamento, não existe legislação federal
que obrigue os empregadores a conceder férias remuneradas aos
funcionários. O que existe é um descanso pago, específico entre as
empresas. Será por isso que eles são a maior economia mundial? Por aqui,
se a seleção brasileira chegar à final da Copa do Mundo, com
paralisação em todos os dias de jogo, é possível que o país seja campeão
no ranking dos recessos.
Não são apenas os setores da saúde ou
das indústrias que ficam comprometidos. A estudante de psicologia
Isabela Pontes da Silva acredita que toda a cidade perde. “Para tudo. Os
bancos, por exemplo, ficam todos fechados. Se você precisar de algum
serviço, é preciso esperar o feriado passar. Eu estudo e as atividades
da faculdade também param. Isso atrapalha o semestre e compromete o ano
letivo”, pontua.
A
advogada Daniela Ferreira da Silva também acredita que tantos feriados
assim não são bons para a economia. “A cidade para, o comércio e as
indústrias. Tudo é interrompido em função dessas datas. O lado bom disso
é que a gente pode ter um momento de descanso. Mas não acho que isso
seja bom para o País”, avalia.
Na tentativa de cortar custos diante da
crise econômica internacional, o governo de Portugal cancelou quatro dos
14 feriados anuais. Desde o ano passado, recessos como o de Corpus
Christi, Dia da Independência e Dia de Todos os Santos e Dia da
Independência estão suspensos naquele país. O cancelamento vale até
2018.
A medida também incluiu a redução de
salários de funcionários públicos e o aumento dos valores dos impostos.
Tudo com o objetivo de diminuir os problemas financeiros e enfrentar a
crise. Será que o Brasil seria capaz de adotar uma decisão como essa? É
preciso reconhecer que existem muitos feriados inúteis e não é parando o
País que vamos competir na economia mundial. O descanso deve ser
valorizado, mas os prejuízos não podem deixar de ser considerados.
Fonte: Folha Universal