Os times do exterior, o twitter e a falta que uma arquibancada faz na vida de tanta gente

Por Mauro Cezar Pereira, blogueiro do ESPN.com.br 


Diz o companheiro Arnaldo Ribeiro que "a arquibancada forma caráter". É daqueles pensamentos que resumem muita coisa em poucas palavras. Cabe até no twitter, e com sobras! Mesmo os mais preguiçosos são (ao menos em tese) capazes de entendê-lo.
Na arquibancada você desenvolve e demonstra paixão por um time. Aprende, ainda novo, o que é alegria imensa e decepção profunda. Na arquibancada o sujeito sofre, chora, cresce. E quem a frequenta com fervor o faz independentemente até da qualidade do futebol jogado na cancha.
Me orgulho por ter dedicado muitas tardes e noites a ela, em vários estádios e em nosso velho Maracanã. Lá também frequentei, com honra, a saudosa geral, procurando uma sombra nos dias de sol forte, carregando meu guarda-chuva nas noites molhadas. Um pedaço de nossa história ficou ali.
Em tempos de arquibancadas vazias pelo Brasil, cresce a platéia virtual que habita a internet e os fã de futebol na televisão. Trabalho em TV, participo de transmissões e programas sobre certames internacionais, mas não tenho dúvidas: nada se iguala à boa e velha "arquiba", seja onde for.
E na mesma medida em que ela se esvazia, parecem se multiplicar os torcedores de perfil... estranho. Alguns pelo jeito raras vezes (ou jamais) foram a um estádio. E convenhamos, em toda cidade existe um e nele está a boa e velha arquibancada. Não vai lá quem não quer.
Jovens, em sua maioria, que escolhem um time lá de fora e acham que torcer é decorar quantidade interminável de informações dispensáveis sobre vários clubes e jogadores. Não são poucas as vezes nas quais se exibem desfilando cultura inútil. Acham que para entender o futebol basta saber quem foi um zagueiro búlgaro, um lateral uzbeque ou técnico hondurenho.
Será que eles tentam chamar a atenção das garotas falando em duas linhas de quatro? Na cobertura dos laterais, no "falso" nove ou no encaixe da marcação? Será que esses rapazes e moças acreditam realmente que o futebol é apenas isso, quase uma ciência exata?
Agem como integrantes de seitas pautadas pela demonstração de conhecimentos que na realidade são meros detalhes de interesse deles mesmos. E interessam porque os próprios competem tentando mostrar que entendem muito de futebol. Mas na verdade não entendem porque não o sentem. Conhecem de vista, como aquela vizinha que apenas às vezes lhes diz "bom dia".
Tática, estratégia, movimentação, treino, entrosamento, preparação física, mental, tudo isso "pertence ao futebol", como diria um ex-grande treinador. Mas o nosso esporte não se resume a isso, amigos. E dificilmente quem jamais frequentou a arquibancada consegue compreender.
Em certos momentos, esses torcedores de times lá de fora se irritam quando os mesmos são criticados. Até uma óbvia brincadeira nas redes sociais vira estopim para ofensas indignadas. Dá raiva. E também dá pena, pois eles não sabem o que estão perdendo ao abrirem mão da arquibancada com os amigos para ver um time, uma camisa ali perto, dentro de campo.
Acho legal que as pessoas tenham suas preferências por times do exterior. Que criem perfils no twitter para compartilhar informações, acompanhar, debater... É o mundo de hoje, tudo ficou mais próximo. Também curto o futebol pelo mundo e procuro aproveitar ao máximo a chance de acompanhá-lo, a trabalho ou não, a ponto de percorrer estádios em plenas férias.
Profissionalmente, no ano passado tive a sorte de acompanhar uma final de Champions League num sábado, em Londres, quando o Bayern venceu o Borussia Dortmund. Comprei uma passagem, reservei o hotel e no domingo estava na "Cidade Eterna" para Roma x Lazio, final da Copa Itália.
Em campo o duelo alemão foi muito superior. Fora dele, o "Derby della Capitale" ganhou fácil. Sim, os torcedores germânicos são fanáticos e vibrantes. Mas um embate de rivais em sua própria cidade, num estádio histórico onde amor e ódio estão no ar tem atmosfera insuperável.
Futebol não se limita ao campo. Por isso também é bom também vê-lo de perto e não apenas pela tela da TV ou do computador. Jovens se dizem torcedores de Barcelona, Chievo, Hoffenheim, Chelsea, Wigan, PSG, Osasuna, Milan, Lyon ou Bayern. E reagem com revolta ao defenderem tais clubes, como se fossem por eles absolutamente apaixonados.
Será que todos eles o são? Ou fazem gênero? Deve achar bacaninha dizer que têm ídolos na Espanha, Chipre, Inglaterra, Alemanha, Itália, Ucrânia... "Nossa, ele é fã do Andriy Vorobei" , dirão alguns. "Uau, aquele cara tem um pôster do Sam Winnall na parede do quarto", suspirarão outros.
O grande barato sobre esses jogadores desconhecidos da maioria massacrante da humanidade, mesmo entre os que adoram futebol, é que eles jogam em campos de verdade. Com traves, redes, gramados pisados por chuteiras e cercados por arquibancadas! Onde ficam torcedores.
Adoro histórias de pequenos clubes e suas torcidas, sejam lá de qual país. Do jogador dedicado a uma camisa e sua luta para levar o time a algum lugar. Por que ele é para os que saem de casa com o objetivo de vê-lo como os caras que eu ia ver em ação lá da geral do Maraca.
Lamento por quem não frequentou a arquibancada na fase de formação do caráter, pois o futebol tem a incrível capacidade de nos ensinar muitas coisas. Mas sempre é tempo para começar, e nem é preciso ou recomendável deixar de ver a bola que rola pelo planeta, pelo contrário.
Há espaço para tudo. Até porque lá fora, torcedores também formam caráter ali, na arquibancada.

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