absurdo na Paraíba !
ABSURDO: Moradores de cidade da Paraíba têm internet na praça, mas tomam banho de balde
São José de Piranhas oferece Wi-Fi grátis, mas comunidades rurais sofrem com a seca e não verão a água do São Francisco
SÃO JOSÉ DE PIRANHAS (Paraíba) - Incrustada no sertão paraibano, a mais
de 400 km de distância da capital João Pessoa, a São José de Piranhas
(PB), brindada na terça-feira passada com a visita da presidente Dilma
Rousseff, que lá foi inaugurar um túnel da inacabada obra da
Transposição do rio São Francisco, é um retrato de um Brasil que avança,
e de outro que não sai do lugar.
Beneficiada com dezenas de programas e ações do governo federal nas
gestões de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a cidade
se desenvolveu, e hoje se dá ao luxo de ter Wi-Fi grátis na praça,
franqueado pela Prefeitura. A 10km dali, porém, comunidades rurais de
Piranhas enfrentam um crônico problema hídrico, e já sabem que nem a
água da transposição, ora prometida para irromper nas torneiras
paraibanas em 2016, chegará até elas.
Em uma década, Piranhas recebeu máquinas como retroescavadeira, caminhão
caçamba e caminhão-pipa, oito ônibus escolares, um Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (Samu), 1,8 mil kits escolares, uma creche
(obra pronta, aguarda equipamentos), um Centro de Atenção Psicossocial
(Caps), dois profissionais do programa Mais Médicos (um deles cubano),
132 banheiros para as comunidades e 15 escolas com laboratório de
informática, bem como ampliou o Programa de Saúde da Família, investiu
na capacitação de professores e acessou programas como o Projovem.
"Vocês que estão no Sudeste podem ver isso como o básico do básico, mas
para a cidade é um enorme avanço", diz o prefeito Domingos Neto (PMDB).
Contudo, dos 19 mil habitantes, 2,9 mil famílias ainda dependem do Bolsa
Família, e mais de 2 mil pessoas vivem uma situação de grande
insegurança hídrica, sina de um Nordeste que teima em existir.
No Caldeirão, zona rural, há muito o banho é de balde, não há trabalho
para os homens que plantavam milho e arroz porque os pés secaram todos, a
pouca água que aparece é transportada em latas e as mulheres percorrem
quilômetros com as roupas da família em mãos para lavá-las em outras
comunidades porque a água é escassa.
Os dois cacimbões, poços construídos pela comunidade para o
armazenamento da água - um com dez metros de profundidade, e outro com
sete - secaram por completo. As casas que têm cisternas - muitas não tem
-, as veem quase vazias.
"Só por dedo de Deus, moço. Água aqui não existe". Custou seis dias
desde que dona Geralda de Araújo começou a ligar para a cidade para que
finalmente enviassem para a comunidade no domingo, dois dias antes da
visita da reportagem, um caminhão-pipa, única forma de acesso a água
desde que há mais de ano secou o açude que abastecia as cerca de 600
pessoas que moram ali.
Uma vez por semana, dona Fátima Corné faz uma trouxa com a roupa das 12
pessoas que moram em sua casa no Caldeirão e vence, à pé, alguns
quilômetros até chegar a uma propriedade privada na qual o dono permite,
por R$ 20 mensais, que lave as vestes da família.
A comunidade se ressente por dona Francisca Pereira, de 90 anos, que
também sofre com a penúria. Quando a reportagem deixava a comunidade, a
senhora pediu para falar. "Tudo bem, dona Francisca?". "Não está nada
bem, meu filho. Nós precisamos de água", disse ela, com os olhos
marejados.
Por longe do local onde ficará o reservatório de Piranhas que receberá a
água da transposição, o prefeito e a comunidade de Caldeirão dão como
certo que a água do São Francisco não chegará às torneiras de Piranhas,
como se a distância tornasse uma segunda transposição intransponível. Os
problemas da estiagem se repetem em outras comunidades: Carrapateiras,
Bom Jesus, Mangação...
Domingos Neto, o prefeito, afirma que em Caldeirão o problema é sazonal,
por conta da falta de chuvas no último ano. Ele afirma que têm
perfurado poços artesianos em comunidades como forma de contornar o
problema. Caldeirão ainda não foi contemplada. Seu Francisco Pereira,
que mora ali desde a década de 1940, porém, diz que a seca vem piorando a
cada ano.
"Precisam ter pena de gente tão pobre", diz Geralda. A comunidade apela
pela perfuração de um poço, e pela criação de um novo açude, em uma área
melhor. "Querendo, os governantes resolvem", afirma Fátima.
Fonte: Estadão MSN