Em livro, pai denuncia médicos por morte e tráfico de órgãos de criança em MG
Paulo Pavesi, 10 anos, cai da grade do playground do prédio onde morava
em Poços de Caldas, no sul de Minas, em abril de 2000. Levado para o
hospital Pedro Sanches e depois transferido para a Santa Casa, tem a
morte confirmada e a família autoriza a retirada de órgãos. O
procedimento, que é pago pelo SUS, foi cobrado da família. Ao questionar
a conta de R$ 11 mil, o pai começa a investigar as cirurgias do filho e
reúne dezenas de provas de que a criança teve o tratamento
negligenciado e os órgãos retirados e vendidos por médicos que atuavam
em uma central de transplantes clandestina
Esta é a história contada pelo pai da criança, o analista de sistemas
Paulo Pavesi, no livro "Tráfico de Órgãos no Brasil - O Que a Máfia Não
Quer Que Você Saiba", lançado neste mês na Amazon.com e também
disponível para download gratuito.
Pavesi obteve asilo na Itália em 2008 ao comprovar que corria risco de
continuar no Brasil por conta das denúncias e hoje mora em Londres. Em
um dos trechos, Pavesi cita a investigação do Ministério da Saúde que
confirmou a retirada de fígado e córneas antes da morte:
—A auditoria constatou que, quando a central clandestina foi acionada,
meu filho não tinha a morte comprovada, o que contraria a lei rígida de
transplantes. No dia seguinte, 21 de abril de 2000, Paulinho foi
transferido para a Santa Casa ainda vivo, e teve os órgãos retirados sem
que qualquer outro exame tivesse sido realizado
Nos últimos 14 anos, Pavesi denunciou erros nas investigações e pressões
políticas para impedir a punição dos médicos envolvidos. Conseguiu
pressionar deputados para a criação da CPI do Tráfico de Órgãos, na
Câmara, que reuniu em 2004 diversos casos semelhantes no País. Todos os
pedidos de indiciamento de médicos foram arquivados. O Ministério da
Saúde descredenciou o Hospital Pedro Sanches para procedimentos do SUS e
suspendeu transplantes na cidade. O mais grave: atestou que a central
MG Sul Transplantes era clandestina. Pavesi detalha o procedimento de
listas paralelas, cobradas dos pacientes:
— As listas paralelas eram completamente ilegais. Já os pacientes de
Álvaro [Ianhez, um dos coordenadores] não passavam por esta fila e
recebiam órgãos mediante uma ‘doação’ em dinheiro. Tudo registrado nos
livros como sendo algo legalizado. Estávamos diante de um caso de
trafico de órgãos humanos e isto explicava o assassinato de Paulinho.
Os sete médicos acusados de atuar no Caso Pavesi nunca foram julgados. A
Santa Casa de Poços de Caldas, desde 2002, está impedida de realizar
transplantes de órgãos. Quatro médicos foram condenados pela morte do
pedreiro José Domingos de Carvalho, 38 anos, ocorrida em 2001. Em 2013,
quatro receberam penas de sete a oito anos de prisão por terem
abandonado o tratamento do paciente, permitindo a morte, e pela retirada
e venda ilegal dos órgãos. Os condenados recorrem em liberdade e
continuam a trabalhar normalmente. Segundo o Conselho Regional de
Medicina, as condenações não são suficientes para a cassação dos
registros profissionais. Consultado pelo R7, o presidente Itagiba de
Castro Filho esclarece que foi aberta uma sindicância para recolher
provas. A câmara técnica do CRM emitirá um parecer para então ser aberto
um processo administrativo para apurar a conduta ética dos
profissionais.
Em inúmeros trechos do livro, Pavesi acusa o deputado estadual Carlos
Mosconi (PSDB) de orquestrar pressões políticas para impedir punições
aos médicos. Isto porque, segundo a Justiça, Mosconi era sócio de Celso
Scafi, um dos médicos condenados, e ajudou a criar a MG Sul
Transplantes, como mostra um relatório publicado pela própria
organização em seu site no início dos anos 2000. Mosconi é presidente da
comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O deputado nega as acusações de Pavesi e desqualifica as denúncias:
— Não conheço detalhes da história do livro. Não estou preocupado porque
não tenho envolvimento com a história. Além do mais, nunca fui
investigado, indiciado, estou completamente por fora.
Em 2008, o processo retornou da Justiça Federal para a comarca de Poços
de Caldas, onde se reiniciou. Em 17 de janeiro de 2014, os autos sobre a
retirada de órgãos de Paulinho foi declarado concluso para julgamento -
com o fim dos depoimentos, é aguardada uma decisão judicial. Respondem
pelo crime Celso Scafi, Cláudio Carneiro Fernandes e Sérgio Poli Gaspar.
Eles também podem responder pelo homicídio, já que nova denúncia foi
oferecida pelo Ministério Público. A Justiça decidiu levar a júri
popular quatro médicos acusados pela morte do garoto: José Luiz Gomes da
Silva, Álvaro Ianhez, José Luiz Bonfitto e Marco Alexandre da Fonseca.
Os réus recorreram e aguardam decisão há nove meses. Se o recurso for
rejeitado, o juiz marca a data do júri .
Paulo Veronesi Pavesi não acredita em punições:
—Ainda que o juiz da primeira instância seja mantido no cargo e condene
os médicos, estamos longe de obter justiça. São 14 anos de completa
enrolação e lentidão proposital para a prescrição das penas. Há ainda o
passo mais difícil que é a segunda instância. A considerar as ultimas
decisões, não ficarei surpreso se desembargadores inocentarem todos. Há
muito dinheiro em jogo, além de ofertas de facilidade política.
Álvaro Ianhez, segundo o advogado Luiz Carlos Abritta, ainda não se manifestou sobre o livro. Ele nega as acusações de Pavesi.
— Não tenho o que dizer, cuido do processo na esfera criminal e não sei se ele tomará alguma medida na esfera cível.
Os defensores dos outros médicos não foram encontrados para comentar o caso.
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