Panorama Copa: Os bastidores da Fifa nas vendas de ingressos para a Copa no mercado negro
Andrew Jennings em seu 1º Livro Jogo Sujo |
Jornal do Brasil Por: Cláudia Freitas. Colaboração - Rodrigo Quadros
Não é segredo que a metodologia de venda dos ingressos para a Copa do Mundo adotada pela Fifa envolve negócios duvidosos e gera polêmica a cada torneio nos países participantes. O que era segredo até pouco tempo estava nos bastidores obscuros da distribuição dos bilhetes, envolvendo troca de favores e agentes do mercado negro. A verdade foi revelada pelo jornalista britânico Andrew Jennings, em seu livro “Um jogo cada vez mais sujo”, que dá detalhes das transações ilegais que enriqueceram os representantes das maiores instituições ligadas ao Futebol, incluindo os nomes dos brasileiros Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF e João Havelange, ex-presidente da Fifa.
As investigações de Jennings apontam os irmãos Jaime Byrom e Enrique Byrom, do México, como os grandes vilões nas negociações fraudulentas de ingressos da Copa, desde o Mundial realizado em 1986. Os Byrom são acionistas majoritários das empresas Match Services e Match Hospitality, que prestam serviços para a Fifa na distribuição dos tickets e hospitalidade durante as competições. De acordo com Jennings, atualmente há três tipos de contrato entre a Fifa e as organizações Byrom: um que trata da distribuição dos ingressos para os jogos da Copa no Brasil; outro específico para a acomodação do público estrangeiro no país sede e dos próprios brasileiros que vão se deslocar pelas cidades das competições; e um contrato para a ocupação dos novos e luxuosos camarotes de vidro nos estádios, com todas as mordomias oferecidas como comidas, bebidas e decoração arrojada. Esse último contrato foi feito através da Match Hospitality, que tem como um dos sócios o sobrinho de Joseph Blatter, presidente da Fifa, Philippe Blatter, e movimenta a maior soma de valores.
Na sua obra, Jennings conta que os irmãos Byrom aparecem no cenário "sujo" da Fifa quando Blatter era secretário geral de João Havelange. Eles foram apresentados durante a Copa de 1986, no México. Uma pessoa da família Byrom é casada com alguém da Televisa, principal rede de televisão mexicana. O jornalista explica que os Byrom organizam o mercado legítimo e a hospitalidade. Ele cita o caso do Maracanã para a Copa de 2014. Existe menos espaço para espectadores tradicionais, porque agora há mais camarotes de vidro, que ele apelida de "caixas luxuosas".
O jornalista britânico dedica alguns capítulos do seu livro somente para explicar como acontece a venda ilegal de ingressos. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Jennings disse que a Fifa e os irmãos Byrom tentaram bloquear a sua publicação na Inglaterra e ele até recebeu ameaças. Mas não cedeu às pressões. Ele apresenta documentos que comprovam irregularidades nos campeonatos da Alemanha, em 2006, e no da África do Sul, em 2010. As provas são de que os Byrom forneceram ingressos para o vice-presidente da Fifa Jack Warner, que por sua vez os negociou nos mercado negro em troca de votos favoráveis no Comitê Executivo da entidade.
Na visão do jornalista, a estrutura estabelecida entre a Fifa e os comitês nacionais pode ser comparada com o crime organizado. Isso pelo fato de Blatter e os sujeitos no topo da pirâmide da Fifa permitirem associações nacionais a comprar os ingressos que eles não querem e entregarem no mercado negro. Dessa forma, não são os oficiais da Fifa que estão enriquecendo. Na verdade, o que eles estão "comprando" é a lealdade das associações nacionais em eventos ao redor do mundo. A Fifa terá ingressos e alocação para negociar com países pobres que nunca poderia pagar para viajar ao Brasil, Africa do Sul ou Alemanha, por exemplo. Eles são vendidos no mercado negro e é assim que os funcionários de baixo nível da entidade conseguem dinheiro. E eles ainda conseguem mascarar as saídas desses ingressos para o Imposto de Renda. É esse esquema denunciado por Jennings que serve como ponte para manter as pessoas ligadas. "E assim, para as associações nacionais o Blatter é o melhor presidente que poderia existir", conclui o comunicador.
Jennings diz que não existe ingenuidade nessas relações fraudulentas. "As associações sabem que enriquecem a Fifa, mas Blatter consegue manter os nós unidos", diz ele. Pela avaliação do jornalista, não é na Fifa que o lucro é gerado, mas a fonte está no mercado secundário e nas associações nacionais. É o mesmo esquema que movimenta os bastidores "obscuros" das Olimpíadas.
Das 209 associações nacionais de futebol ligadas à Fifa, Jennings considera que poucas são honestas. Essas entidades solicitam os ingressos aos irmãos mexicanos que os repassam em nome do Blatter ou da própria Fifa. Países da África, Ásia e Europa já possuem os seus negociadores com os Byrom, que depois fazem as vendas no mercado paralelo. O jornalista cita a CBF como uma das associações a adotar essa postura. Ele afirma que os Byrom têm o controle absoluto dos ingressos, porque grande parte das entradas são impressas somente após a definição da escala dos jogos em cada fase, o que facilita o esquema deles no Brasil com os Grupos Traffic e Águia, ligados a CBF e diretamente com o Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, no período de 1989 a 2012.
Obra do jornalista Andrew Jennings |
Relembrando a Copa na Alemanha, Jennings diz que os alemães foram espertos em não dar para os Byrom os ingressos, ficando com a hospitalidade ou uma parte dela. Mas teve a África do Sul. "Ai eles perderam 50 milhões de dólares no país, porque as pessoas não tinham condições financeiras de bancar os luxos oferecidos", destacou o britânico. Questionado sobre os membros da Fifa que estão envolvidos no esquema de corrupção, o jornalista dispara: "se eu soubesse, estariam todos na prisão". E completa: "A pergunta é: por que não fazem nada sobre isso? Todas as 23 pessoas, que podem ser 24 ou 25, sabem. É um jogo sujo, secreto. Blatter faz dinheiro por ele mesmo em permitir que as 209 associações nacionais participem desse jogo. Não acho que os britânicos façam ou alguns países do leste europeu façam isso também. É uma questão de poder, não apenas por dinheiro", afirma Jennings.
Quanto às implicações desse esquema fraudulento descoberto por ele, Jennings questiona: "Eles estão ficando ricos, não?". E responde em seguida: "São ladrões. Sou muito sério quando digo que são uma família do crime organizado. Eu cobri a máfia na Sicilia (Itália). Os conheci. A Copa não foi dada ao Brasil pela Fifa. Uma vez que o Teixeira [Ricardo Teixeira] foi condenado por tantos roubos sujos como consta no relatório de Álvaro Dias e Aldo Rebelo, em 2001", enfatiza o jornalista. No livro, Jennings destina capítulos para tratar de episódios envolvendo a administração de Ricardo Teixeira na CBF. "Estavam qualificando ele para entrar no esquema. Na máfia, você tem que matar alguém, no caso do Teixeira era aprender roubar o Brasil. Ele podia roubar milhões da Nike. Ele se gaba da quantia, é algo na casa dos bilhões", diz o britânico.
Avaliando a entrada do esquema no cenário brasileiro, o jornalista afirma que Teixeira fez pressão para os irmãos firmarem parceiros brasileiros, assim ele teria uma fatia garantida para os seus amigos. Ele cita os relatórios do senador Álvaro Dias, para a CPI da CBF, como fontes inesgotáveis de evidências da participação dos grupos no esquema corrupto. Jennings diz que seguiu as propinas de Teixeira na Suíça e as informações contidas nos relatórios do senador para concluir as suas investigações, especialmente os documentos anexados ao dossiê de Alvaro Dias, comprovando diversos crimes na CBF. O jornalista acredita que Blatter entregou a Copa do Mundo para Teixeira, pelo fato de estar na hora certa de "pagar os favores". A CBF passava por problemas financeiros e Ricardo Teixeira fez o esforço necessário para provar que era a pessoa certa para organizar a Copa.
Quando perguntamos a Jennings sobre a pequena margem de ingressos que é reservada para venda, o que causou grande insatisfação dos torcedores, o jornalista compara essa realidade a um "iceberg". "Que tem 10% acima da água e é isso que te dão. Então, você tem que ganhar na loteria para conseguir e o resto está dentro da água em um mundo sombrio secreto. Está tudo lá", revela o jornalista.
No mercado exterior, Jennings conseguiu seguir os rastros dos ingressos, que são comprados por altos executivos dessas associações nacionais e revendidos para empresas que montam pacotes oferecendo passagens aéreas e acomodação. Mas um detalhe importante pode ser observado na negociação com o turista: o tíquete é sempre emitido em nome de outra pessoa.
Escala com os preços dos ingressos para a Copa do Mundo no Brasil |
Haverá pessoas no Rio de Janeiro para pagar por esses camarotes após a Copa? Jennings responde com certa dose de revolta: "Os contribuintes estão pagando por essas suítes de luxo que não usarão depois. Perdeu uma questão crucial de espaço para brasileiros e estrangeiros. Quem paga pelos estádios são os contribuintes, mas quem fica com o lucro são eles." E no final da entrevista, perguntando se o jornalista conhece alguém honesto na Fifa e na CBF. Ele responde que "estamos tratando de gângsteres, que dão dinheiro para a caridade, mas não podemos falar que são honestos". E ainda faz uma comparação com a ficção: "Al Capone dava dinheiro para crianças de orfanatos."
Sobre Andrew Jennings:
É repórter investigativo há mais de trinta anos, cineasta, consultor e comentarista. Trabalhou nos jornais britânicos The Sunday Times e Daily Mail, na BBC, além de contribuir em diversas publicações. Autor de documentários e livros sobre corrupção nos esportes, Jennings tornou-se conhecido no mundo todo como o “único profissional de imprensa banido das coletivas da Fifa”. Traduzido para mais de 12 línguas, Jogo Sujo (Foul!) foi transformado em documentário da BBC e exibido em todo o mundo.
Referências: Literatura Na Arquibancada , Blog do Juca
Fonte: Jornal do Brasil