Nas Filipinas, CRIANÇAS DE RUA SÃO PRESAS para “LIMPAREM” as ruas durante a VISITA DO PAPA
Mesmo sendo um país de maioria cristã, as Filipinas ainda parecem não terem aderido às teses seculares de separação entre organizações religiosas e o governo. Apesar de afirmar no artigo II de sua Constituição que “a separação entre a Igreja e o Estado deve ser inviolável”, o não-envolvimento do poder estatal em prol de crenças não foi exatamente o que a reportagem do jornal britânico Daily Mail encontrou em sua visita ao país, que recebeu o Papa Francisco nessa quinta-feira.
Ao se aprofundarem nas investigações sobre as ações do governo em preparação para o recebimento do pontífice, os repórteres descobriram cenas dignas de campos de concentração: crianças de rua presas entre grades, ao lado de criminosos. Nas prisões, pouca ou nenhuma condição de higiene é oferecida e os jovens contam apenas com baldes no lugar de banheiros. Muitos já estão lá desde antes do natal.
Não existem brinquedos, escolas ou qualquer forma de entretenimento. Muitas apresentam sinais de desnutrição e de doenças. Os prisioneiros adultos contam que foram informados de que as crianças estavam lá para “limparem” as ruas durante a visita de Francisco:
“Várias crianças foram trazidas para cá recentemente. Fomos avisados de que elas estavam sendo tiradas dos viadutos por onde o Papa iria passar”, conta um deles.
Algumas crianças sequer possuem documentos, nem mesmo cédulas de identidade.
Apesar da legislação do país asiático não permitir a prisão de menores de 18 anos, pouca importância é dada aos códigos legais e é comum que crianças sejam levadas para prisões pela polícia, com o aval das autoridades locais. Dentro das casas de detenção existem diversos relatos de estupros e tortura de menores.
A situação é mais grave para crianças de rua, já que não possuem pais que possam pagar suas fianças ou subornarem os oficiais da polícia para serem liberadas.
A decisão de prender menores de idade no país começou em 1995, quando as primeiras levas de adolescentes e crianças acusadas de roubo ou tráfico chegaram nos presídios. Com o passar do tempo, as justificativas para o encarceramento de menores foram ficando cada vez menos rígidas, como em 2006, quando um garoto chegou a parar atrás das grades por jogar baralho em meio à uma calçada. Já outras, nem mesmo receberam uma justificativa para lá estarem: simplesmente foram tomadas de suas famílias e jogadas ao lado de estupradores, ladrões e assassinos.
Mesmo com a gravíssima situação dos garotos e garotas filipinos encarcerados, o governo pouco pronuncia sobre o assunto. Na verdade, muitas vezes admite que existem crianças presas a mando de seus oficiais. No caso das crianças tiradas das ruas em “homenagem” ao cardeal, não foi diferente:
“Eles [os sindicatos] sabem que o Papa se preocupa com as crianças e eles tirarão vantagens disso”, afirmou Rosalinda Orobia, chefe do Departamento de Bem Estar Social do distrito de Manila.
Sindicatos são como são chamados os cartéis de droga que controlam o tráfico no país. Segundo Rosalinda, menores de idade membros de gangues poderiam estar participando de um atentado orquestrado contra a visita do pontífice.
As declarações de Rosalinda foram emitidas no jornal Manila Standard e não foram bem recebidas.
“Nós deveríamos ficar escandalizados com a campanha artificial do governo para manter as ruas livres de crianças pobres apenas para a visita do papa”, declarou o jornal em um editorial.
“Mais crianças estão sendo tiradas [das ruas] nas últimas semanas e existe um padrão de acontecimentos desse tipo sempre antes de algum grande evento internacional”, conta Catherine Scerri, vice-diretora de uma casa de uma instituição de caridade e cuidados dedicada à crianças de rua.
Segundo Catherine, nas últimas semanas, seus funcionários vem percebendo esse aumento no número de “resgastes” de crianças que viviam nas ruas. Não é a primeira vez, porém:
“Isso aconteceu antes do presidente Obama visitar as Filipinas em abril do ano passado. Quando tentamos libertá-las, obtivemos a resposta de que as crianças não poderiam sair dali antes do retorno de Obama”, conta.
Conhecido por sua compaixão com presos e marginalizados, Papa Francisco lavou os pés de detentos em Roma em 2013 e também já realizou visitas em cadeias. Mas nas Filipinas, não existem previsões de que algo do tipo possa ocorrer. “Infelizmente, não existe nenhuma maneira de que o Papa vá visitar esses centros de detenção em Manila”, conta Father Shay, missionário irlandês nominado ao prêmio Nobel da Paz.
Shay já ajudou a resgatar crianças órfãs nos presídios filipinos.
“Eles não possuem direitos básicos. Não existem escolas. Não existe entretenimento. Não existe desenvolvimento humano apropriado. Não existe nenhum lugar para comerem e eles dormem no chão de concreto. Não existem processos judiciais. Essas crianças estão totalmente sem proteção. Elas não possuem representação legal”, diz.
Prisões injustas
Segundo a ONG Bahay Tuluyan, as crianças são levadas das ruas por motivos banais. Muitas não tinham cometido nenhum crime e foram presas simplesmente por dormirem nas ruas. Outras, foram igualmente presas após cometerem infrações leves, como roubo de comida.
Mas para os inspetores encarregados de tirarem as crianças das ruas, igualdade no tratamento está longe de ser uma opção: 1 em cada 6 carregam armas e 60% andam armados com cassetetes, e existem relatos de uso desproporcional desses armamentos contra crianças durante as ações de “limpeza”.
Entre os jovens presos, 60% afirmam que não tiveram escolha quando foram abordados e 42% revelam ter sido perseguidos.
Em apenas 53% dos casos os guardas estavam uniformizados e 94% deles não introduziram nenhuma forma de abordagem com os menores após encontrá-los. Alguns ainda relatam que já foram presos diversas vezes; cerca de 30% das crianças entrevistadas pela ONG revelaram que já foram para os centros de detenção mais de 5 vezes. Alguns não conseguiram responder com exatidão quantas vezes foram parar atrás das grades, pois já haviam perdido a conta de quantas vezes tiveram sua liberdade cercada injustamente.
Mesmo depois de protestos nas ruas e nas mídias sociais, a situação das crianças detidas nas Filipinas continua incerta. As operações de remoção de menores indigentes, que forçadamente trocam as calçadas pelas grades de ferro, o concreto sujo – todas com o aval das autoridades de Estado –, aparentemente não possuem data para acabar e devem se repetir durante os próximos eventos de grande porte que ocorrerem no país caso nada seja feito.
Fora dos presídios, o pontífice desembarcou hoje e permancerá nas Filipinas durante os próximos 5 dias. O país possui maioria católica – cerca de 80% da população se declara como seguidora da religião. O cardeal ainda celebrará uma missa na capital, Manila, onde são esperados 6 milhões de fiéis – os quais o governo tem se esforçado para que não sejam moradores de rua.
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