Globo ainda é ajudada por outras emissoras no Golpe de 64
Em 1964, ano dos mais conturbados de nossa história, o presidente João Goulart foi cassado pelo Congresso e, posteriormente, o general Castelo Branco foi eleito presidente pela mesma Casa. Entre a cassação de um e a eleição de outro, muita coisa aconteceu, em bastidores principalmente. Nós sabemos. Nós imaginamos. Mas um apoio não foi velado e nem de bastidor, pelo contrário. Publicado em jornal, foi de especial importância no processo que substituiu um Governo pelo outro.
Falo do editorial do Jornal O Globo, publicado em 02/04/1964, que apoiou a contrarrevolução (vamos no clima do texto, ok?) de 1964. Texto que saudava a “ressurreição da democracia no país”, escrito em época que o jornal era comandado por ninguém menos que Roberto Marinho, fundador do maior conglomerado de comunicação do país. Até hoje.
Anotou? Então vamos lá. Em 2013, mais precisamente em 31/08/2013, o mesmo Jornal O Globo publicou novo editorial a respeito do conturbado 1964, dessa vez com posição contrária, adjetivando o editorial da Era Roberto Marinho como um erro.
Quem souber, por favor, me diga quem foi responsável por tal texto, que desmentiu Roberto Marinho e acusou seu erro, dez anos após sua morte – sobre o texto, frisa-se, foi escrito no afã das chamadas “Jornadas de Junho”, que lembrou uma nova Globo, em sua porta, aos gritos e com piche, de seu posicionamento em 1964. Não sabe?! Sinceramente, eu também não.
Não sei quem teve apito final neste trágico texto e nem quero saber, mas digo com segurança: fosse o Vivo que fosse, jornalista quaisquer, cientista político, sociólogo ou coisa pior, não teria o mesmo peso de um “Roberto Marinho”. Maior jornalista de nossa história? Um dos grandes empreendedores, pelo menos. Mas, enfim.
É impossível afirmar que ele, Roberto Marinho, concordaria com a linha mestra do horroroso mea culpado Jornal O Globo, mas é possível afirmar que, um dia, ao menos a respeito da ideia inicial — evitar acomunização do país, através daquilo que começou como revolução e hoje é chamado de golpe –, ele foi favorável. E assim se posicionou seu jornal. Ponto.
Se você tem cérebro e utiliza a doutrina do raciocínio correto, mais conhecida como lógica, perceberá que a diferença entre um texto e outro é absurda. Não possuem o mesmo peso. Não possuem a mesma estirpe editorial por trás. Um foi publicado por um gigante do jornalismo brasileiro, o outro, provavelmente, por uma equipe muito bem paga e pouco instruída, que conduz o maior jornal do país numa trilha de chapabranquismo vexaminosa até para um portal de internet.
Infelizmente, não é esta percepção que vemos na maioria dos jornalistas tupiniquins, que, dia sim e outro também, levantam essa bola – de que a mesma Globo que apoiou os militares em 1964 agora se arrependeu — na tentativa de denegrir qualquer argumentação mais séria a respeito. Não é a mesma Globo, paspalhos, talvez um arremedo dela.
Escrevo estas linhas por que, desavergonhadamente, um tal de Mauro Tagliaferri, provavelmente jornalista, foi para cima de Jair Bolsonaro (é, ele mesmo!) na última sexta-feira (03/07/2015), quando este participou da nova atração da Rede TV!, “Mariana Godoy Entrevista”, exatamente com este argumento. “Mas a Globo desmentiu esse editorial (…)”, disse Mauro, tão logo Bolsonaro citou texto de Roberto Marinho de 1984, não de 1964, intitulado “Julgamento da Revolução”, no qual o empresário e jornalista pessoalmente orgulhava-se de tal apoio, em 64.
Ah, vá! Não dá para deixar passar.
Neste caso, a atitude foi ainda pior. O crítico “esperto” do deputado confundiu alhos com bugalhos, ao lembrar do editorial de 2013 que desmentiu, ou tentou fazê-lo, o de 1964, quando Bolsonaro citava ainda outro texto, do boss Roberto Marinho reafirmando sua posição de 20 anos antes, já no fim daquela história, em 84.
Tão importante quanto as linhas escritas em si, são seus autores ou responsáveis. Épocas distintas, pensamentos distintos. Não é óbvio, pois, que uma posição não anula a outra, por mais oficiosa que seja? E, convenhamos, desmentir Roberto Marinho quando este não poderia mais argumentar em favor de sua posição é mole.
Tem o mesmo nome o jornal que vemos nas bancas diariamente, desde 1925, mas não é o mesmo espírito que lhe dá vida. Talvez algum outro bem menor.