Por que o Mundo não gosta de nós ? diz garota síria, para tia brasileira
Brasileira que vivia na Síria fala sobre ida para a Turquia e conta como as perguntas feitas por uma sobrinha a fizeram chorar durante uma noite toda
Amanda, ao lado do marido Hazem e da filha Luana: "hoje eu só quero ter saúde"Arquivo Pessoal
Marielly Campos
“Por que o mundo não gosta da gente? É porque eu sou síria e sou muçulmana? O que eu fiz de errado? Por que esse
menino morreu na praia?” Foram essas perguntas, feitas por uma sobrinha de sete anos que vive na Síria, que fizeram a brasileira Amanda Haj Taha, casada com um sírio e mãe de uma menina de dois anos, também síria, desabar diante dasituação vivida pela população da qual hoje em dia se considera parte.
Amanda nasceu em São Paulo, vivia no bairro do Ipiranga. Morava em Nova York quando as torres gêmeas foram derrubadas. Chegou a “comprar a ideia” de que o islamismo era algo ruim. Em 2005, se aprofundou nos estudos para entender as causas da guerra do Iraque e crise na região, até ouvir da mãe a frase: “não julgue”.
Após a morte do Papa João Paulo 2º – Amanda, assim como sua família, era católica – e perder sua mãe em 2007, ela se viu sem chão e foi convidada por um casal de amigos a conhecer a Mesquita do Brás, na região central de São Paulo. Encantou-se com a religião e se converteu. “Eu comecei a estudar e vi que aquilo me preenchia, eu estava me sentindo feliz”, conta.
Saída de Dubai
Ela frequentava as aulas e trabalhava no local, onde conheceu o marido Hazem Haj Taha. Ficou noiva em 2008 – “na minha religião não existe namoro”. E em 2011 foi para Dubai encontrá-lo. O marido trabalhava no país, onde os dois se casaram e começaram a construir a vida.
Hazem tinha visto de trabalho, mas precisava renová-lo. Foi então até a embaixada, que pedia US$ 4 mil . Juntaram as economias e fizeram o pedido, que foi negado. “Quando ele levou o dinheiro ele estava sendo procurado porque o presidente sírio queria que ele lutasse pela pátria dele”, conta Amanda. A partir daí, começaram uma saga pelo documento. No tempo que trabalhou em Dubai, Hazem passou a investir seu dinheiro na Síria, onde desejava viver com a família.
“Devido aos problemas na Síria, era negado o visto dos cidadãos para toda a região dos Emirados Árabes”, relembra. Em novembro de 2012, Amanda descobriu que estava grávida. A notícia, apesar de feliz, exigia muita cautela. A tensão fez com que a gravidez se tornasse de risco. A partir desse fato, eles procuraram um novo emprego em Dubai e não conseguiram.
Portas fechadas
Tentaram então ir para o Egito. Na época, o presidente era Mohamed Morsi, “bastante religioso, ele ajudava os sírios”, lembra. Seria perfeito: o marido de Amanda tinha parentes e ela amigas que viviam no país. Entretanto, Morsi foi deposto e Abdul Fatah Khalil Al-Sisi se colocou conta os sírios.
A única saída foi voltar para Síria. A filha do casal tinha apenas três meses. Ela conta que no começo, acreditaram que seria uma revolução, como foi no Egito, e logo voltariam a viver em paz. Mas a guerra se estendeu, os efeitos dela se espalharam. Amanda e o marido haviam investido todo o seu dinheiro em um negócio e uma casa em Alepo. Mas os constantes bombardeios os fizeram deixar o local. Decidiram ir para Kafar Karmim, onde viviam os sogros e parentes do marido.
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Eles viram a casa em Alepo ruir logo após deixá-la. “Quando estávamos indo, ouvimos o barulho da bomba, minha filha acordou chorando, nunca esqueço esse barulho. Víamos pedaços de pessoas no chão”, lembra. Eles deixaram o local apenas com a roupa que vestiam e uma bolsa para Luana. “Quando você vê sua casa no chão, não o material, mas aquilo que você construiu, é muito triste”.
A decisão de deixar a Síria veio após um novo bombardeio. “Estava passeando na rua com minha filha, em uma tarde normal, poucos minutos depois de entrar em casa, meu marido que estava fora viu uma explosão. Um míssil caiu ali próximo, a casa tremeu”, lembra. Ela se desesperou. Disse que não conseguiria mais ficar ali. “Fiquei paralisada e disse: eu tenho filha”.
Turquia
Amanda, o marido e a filha Luana, na época com um ano e meio, decidiram seguir para a Turquia. A viagem que seria de uma hora, durou nove. “Saímos às 9h, cruzei a fronteira às 18h. Foi a pior experiência da minha vida. Eu estava com passaporte estrangeiro, meu árabe não é muito bom. Não tinha nada a esconder, mas eles questionavam o que eu estava fazendo ali”, conta.
“No ônibus havia uma família fugindo da zona do Barash al-Assad [atual presidente sírio]. Bateram no menino, a mãe berrava, dizendo que não estavam fazendo nada”, completa Amanda.
Atualmente, vivem em Stambul, mas ainda encontram dificuldades. A maior delas é o preconceito. “A vida do sírio na Turquia não é uma maravilha. Meu marido chegou a trabalhar 15h por dia. Algumas vezes, não recebia. Ele implorava, dizia que tem uma filha pequena e ouvia: ‘então volte para a Síria’. Outra vez, minha filha estava brincando no parquinho e a mãe de outra criança disse para o filho: ‘não ande com ela, ela é síria’”, acrescenta a brasileira.
“Corta o coração, porque minha filha não é melhor e nem pior. A vida deles vale igual, igual a da criança turca, igual da minha sobrinha que mora na Síria, igual a do meu sobrinho do Brasil”.
Brasil
Amanda conta que não tem planos de voltar ao país. Segundo ela, a crise econômica os assusta. “Se não tem emprego para brasileiro, como terá para sírio? Para mim seria o pais ideal, mas e meu marido, vai fazer o quê?”, questiona.
Morte de Aylan
A morte de Aylan Kurdi, de 3 anos, que repercutiu em todo o mundo após uma foto mostrar o resgate de seu corpo em uma praia da Turquia, foi o que causou revolta na sobrinha de Amanda, de apenas sete anos. “Não é a primeira foto que você vê, não é o primeiro corpo que você vê. Eu estava segura até então, tentando me manter firme. Mas você começa a ouvir as histórias do pai, do outro filho que morreu...”, conta. Após os questionamentos da sobrinha, ela ficou sem reação: “O que você fala para uma criança dessas? Só pedi desculpas, fingi que caiu a ligação e chorei a noite toda”.
Futuro
“Antigamente eu tinha planos. Pensava em ter mais filhos, uma casa. Hoje eu só quero ter saúde. Não penso mais em cinco anos. Só penso se amanhã vou ter o que prover para minha família”, diz Amanda. “Quero ver a Síria livre do Barash. O mundo precisa ouvir a verdade de alguém que teve lá. Só espero que alguma coisa seja feita”, finaliza.
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Via portal Band