A chamada "onda conservadora" é uma revolta contra o estamento burocrático. O teatro do STF ao julgar o habeas corpus de Lula pode deixar Bolsonaro mais próximo da presidência.

O sentimento geral da população depois do papelão do STF ao votar o habeas corpus de Lula é um misto de indignação com desesperança,a conhecida sensação que fica após alguém se sentir desgraçadamente injustiçado. Apesar de toda a chicana favorecer Lula no plano jurídico, na esfera psicológica e política, os louros serão mais facilmente colhidos por seu arqui-rival, o presidenciável Jair Bolsonaro.

O STF pós-mensalão não tem absolutamente nada a ver com a mesma Corte um ano antes. Hoje não é puramente técnica, um antro de decisões em latim castiço ignorado pela população. Suas decisões sobre políticos, que nunca são meramente “técnicas” (do contrário, não precisariam ser votadas para assegurar alguma chance de lisura”), são acompanhadas pela população, que faz análises e cobranças das decisões dos magistrados.

Apesar de o Direito consolidado parecer uma construção puramente intelectual, fria como um cálculo científico, é justamente na superfície dos sentimentos que a idéia de justiça se faz mais presente, e não no abstrato reino das elucubrações intelectuais, que com tamanha facilidade recaem na ideologia pura. O problema dos sentimentos é que não são úteis para identificar culpados e nem para sopesar a punição – no entanto, é na pele e nos nervos em que percebemos a injustiça, muito mais do que nas cátedras e tribunais.




Os ministros do STF, em um cenário em que seus 11 membros são mais conhecidos do que toda a seleção brasileira (alguém se lembra de que a Copa começará em 3 meses?), podem até votar ideologicamente, conforme suas vontades individuais, na maior parte das vezes a mesma dos presidentes que os indicaram. Entretanto, não serão mais interpretados pelo povo como “a decisão dos juízes”, e sim “a decisão do Lewandowski”, “a decisão do Toffoli”, “a decisão do Gilmar” e assim por diante. Pronunciar as sentenças em voz alta na presença de testemunhas dá mesmo um peso de sentença valorativa às descrições.

É com sentimentos que marqueteiros trabalham – aquele monte de samba tocado em campanha eleitoral não são exatamente tratados de filosofia política argumentativa a rivalizar com Edmund Burke. E sentimentos, pergunte a qualquer marqueteiro, são canalizados: Collor era o caçador de marajás, Lula era do “partido da ética” (sic) que aprendeu a usar ternos Armani e não falar mais “a luta continua” (Duda Mendonça ensinou ao petista que “luta” remete a baderna).

Quando o STF age com um extremado, irreal e absolutamente impopular estrelismo e ultra-formalismo de ocasião, citando conceitos como “a produtividade da Corte” pós-meia noite, numa crise de abóbora de fazer corar a Cinderela, e quando saca bilhetes com check-in realizados para receber honrarias puramente formais que nada significam a ninguém, os ministros estão agindo pensando em ritos e em formalidades infelizmente típicas de tribunais, mas não de uma Corte assistida de perto pela população.

Isto causa um sentimento único em todo o povo. Amorfo e indefinido, mas certamente relacionado à injustiça. A algo que deveria ter sido feito e não foi. Piorado: a um sentimento de enganação: não contente em não fazerem seu trabalho, o STF decidiu se poderia decidir, então decidiu que tinha o poder de decidir, então demorou muito para decidir que não iria decidir mesmo tendo decidido que poderia decidir, e decidiu por fim que só ele pode decidir e que os tribunais que decidiram há tempos, analisando provas e mais provas, não podem decidir enquanto o STF não decidir que vai decidir.

Como a população poderia ficar inerme e com a sensação de ter deixado a Justiça com as 11 cabeças mais capazes do país? Como não perceber que muito mais importante do que dominar todo o Judiciário (o que foi impossível, mas um grande percentual foi conseguido) é indicar a maioria absoluta de quem votará na última instância e c’est fini?

Como, afinal, a população pode confiar no STF – pressuposto mais básico do Direito e da representatividade, que é simplesmente ignorado ao se falar da magistratura, só por não serem cargos diretamente eleitos?

O sentimento geral só pode ser canalizado de uma maneira: indo contra tudo isto que está aí. E, tal como a “onda conservadora”do mundo, expressado em uma liderança que esteja interessada em ordem (que não é sinônimo de ditadura – toda liberdade depende de uma ordem) e em ética.

O Datafolha, que sempre erra para o mesmo lado, já sente a força do eleitorado de Bolsonaro, não importando o quanto a própria Folha tente tratar Bolsonaro como Adolf Hitler. Pesquisas internas do PSDB já presumem que Bolsonaro deve estar com até 10% a mais de votos do que o indicado nas pesquisas: o seu eleitorado ainda tem receio da mídia e dizer o que pensa em público. Todavia, quando o STF joga uma pá de cal na igualdade perante a lei como o fez nesta semana, a tendência óbvia é que um candidato pautado em ordem e ética ganhe votos, não um candidato como Alckmin, pautado em… bem, em ser o Alckmin.

Apesar de toda a normalidade do que Bolsonaro defende – entre outros exemplos óbvios, que nossa educação é ideóloga e péssima, que nossa segurança pública é a pior do mundo, que devemos incentivar o cidadão a fazer o bem e não dar benesses pelo roubo etc etc etc –, a mídia o trata como um “radical” (enquanto propostas malucóides do PT, do PSOL, e mesmo as deprimentes gestões dos tucanos são consideradas “ponderadas”, “normais” e, claro, “democráticas”).

É óbvio que o povo não gosta de Bolsonaro, ou tem medo de admitir em público sua preferência, pelo verniz que a mídia dá a quem defende que a vovó tem algo a nos ensinar, como se isso fosse o mesmo do que o Terceiro Reich. Com o STF e seu teatrinho, fica mais fácil para a população se assumir contra o estamento de mídia e partidos políticos tradicionais.

A tal “onda conservadora” ou “populista” que varreu o planeta desde a eleição de Donald Trump nada mais é do que uma revolta contra o establishment, o velho estamento, as mesmas pessoas controlando a política, a ideologia, a mídia e os sistemas de governança não-eleita e transnacional, o que chamamos de “globalismo”.

Todas estas velhas raposas, que os americanos chamam de Deep State, aqueles velhos sobrenomes que mandam no país e estão completamente desconectados da preocupação com a população. Basta pensar que a população tem medo de ser assaltada e morrer por um celular de R$ 200, enquanto a mídia fala de crianças travestis e respeito a macumbeiros e mais travestis. É uma briga entre o que chamam de “populismo” (usando um termo que antes só usavam para ditadores e autoritários corruptos) e o Deep State.

O STF se provou a consubstanciação do Deep State. O sentimento da população é de revolta absoluta, uma impotência diante de poderosos protegendo os seus cupinchas enquanto a população quer justiça. O brasileiro médio já sabe que o STF tem membros petistas, que Lula tem um tratamento injustamente diferenciado do restante da população (até mesmo do restante dos criminosos condenados, e até mesmo diante dos políticos poderosos criminosos condenados).

Não há como a população não juntar forças através de seu próprio sentimento, mesmo sendo xingada pela mídia, sendo tratada como radical, intolerante, extremista e qualquer tentativa de chamá-los de fascistas. Ninguém canaliza tão bem a depressão pós-STF quanto Bolsonaro. Não há a menor chance desse sentimento ser canalizado por Alckmin, Ciro, Marina ou qualquer outro concorrente.

E é curioso notar o sentimento petista: não é de trunfo, já que sabe que pegará muito mal rasgar a lei e a justiça diante do povo. É de explicação. É um “veja bem, veja bem”, uma tentativa de justificar os atos do STF. É um discurso na defensiva. Como não se via o PT fazendo desde… nunca.

A Suprema Corte pode atrapalhar e até fazer Lula ser candidato, que é o maior risco de uma venezuelização do país. Mas acabou sendo o melhor marqueteiro, para a população não-militante, do candidato Jair Bolsonaro.


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