Na Onu Trump: “O futuro pertence aos patriotas, não aos globalistas”
Ante a instituição que representa a multilateralidade, Donald Trump
fez nesta terça-feira, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, uma
defesa ardente do isolacionismo. “O futuro não pertence aos globalistas,
e sim aos patriotas”, deixou para a história o presidente dos Estados
Unidos. Envolvido em diversas frentes internacionais, sem sinais de
avanço em nenhuma, o Trump que se viu em Nova York é um líder muito
diferente daquele que, em sua primeira intervenção neste foro, há dois
anos, ameaçou o “pequeno homem-foguete” Kim Jong-un
com a “destruição total” da Coreia do Norte. Nesta terça-feira, o
presidente se mostrou menos beligerante em suas tensões com o Irã, e
também com a Venezuela,
afirmando que os Estados Unidos não querem “inimigos permanentes” e
expressando sua rejeição do uso da força. “Somos a potência mais
poderosa do mundo, mas espero nunca ter de usar esse poder”, assinalou.
“Tenho o imenso privilégio de me dirigir a vocês hoje como o líder
eleito de uma nação que valoriza a liberdade, a independência e o
autogoverno acima de tudo”, disse Trump ao iniciar seu discurso de 37
minutos. “Se querem liberdade, sintam orgulho de seu país. Se querem
democracia, agarrem-se à sua soberania. Se querem paz, amem sua nação. O
mundo livre deve abraçar suas fundações nacionais”, continuou.
Após
essa defesa do isolamento, o presidente citou suas numerosas frentes
internacionais. Distribuiu críticas, mas evitou qualquer ameaça de uso
da força. Como não poderia deixar de ser, foi muito crítico com o regime
do Irã, acusando-o de ser “o principal patrocinador mundial do
terrorismo”. Insistiu no dever de bloquear o caminho de Teerã para as
armas nucleares, e defendeu sua saída do acordo de 2015, assim como a
eficácia de suas sanções econômicas. Mas indicou que esse não é um
conflito que corresponda exclusivamente aos EUA, dizendo que “todas as
nações têm o dever de agir”. Significativamente, mencionou apenas de
passagem o ataque às instalações petrolíferas
da Arábia Saudita no dia 14 — Washington acusa Teerã pelo ataque,
chamado de “ato de guerra” pelo próprio secretário de Estado de Trump —,
preferindo citar uma longa lista de ofensas históricas, e ressaltando
que os Estados Unidos buscam a aliança e não o conflito. “Alguns dos
nossos melhores amigos de hoje eram nossos piores inimigos”, afirmou.
Na
véspera dos discursos, os líderes da Alemanha, França e Reino Unido se
alinharam com o presidente Trump ao acusar Teerã pelos ataques a
instalações petrolíferas sauditas. Em um comunicado conjunto na
segunda-feira, eles não só apoiaram a acusação de Washington sobre os
ataques na Arábia Saudita, que Teerã nega, como também pediram um acordo
nuclear mais amplo — numa guinada em relação à posição da Europa de
tolerância com o Irã, depois que os europeus tentaram salvar durante um
ano o acordo de 2015 que os Estados Unidos decidiram romper. “Chegou a
hora de que o Irã aceite negociações de longo prazo sobre seu programa
nuclear, assim como sobre assuntos de segurança na região, incluído seu
programa de mísseis”, diz o comunicado assinado pelo presidente francês,
Emmanuel Macron, pela chefe de Governo alemã, Angela Merkel, e pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
Trump dedicou uma parte de seu discurso à situação na Venezuela, e chamou Nicolás Maduro
de “um fantoche cubano que se esconde de seu povo enquanto Cuba se
aproveita da riqueza petrolífera da Venezuela para proteger seu regime”.
O presidente americano garantiu “aos venezuelanos presos neste
pesadelo” que “todos os Estados Unidos” estão com eles. Mas falou em
esperar. “Estamos acompanhando muito de perto a situação na Venezuela.
Esperamos pelo dia em que a democracia será restaurada e a Venezuela
será livre”, discursou, depois de afirmar que seu país tem uma “enorme
quantidade” de ajuda humanitária preparada para a Venezuela. A situação
na Venezuela, argumentou, é um aviso de que “o socialismo e o comunismo
não tentam tirar as pessoas da pobreza”, em vez disso, só buscam “poder
para a classe dominante”. “Os Estados Unidos jamais serão um país
socialista”, insistiu o presidente, em uma mensagem velada à ala mais
esquerdista do Partido Democrata de seu país, envolvida agora no
processo de escolher a pessoa que enfrentará Trump nas eleições
presidenciais do ano que vem.
O presidente também
criticou bastante aqueles que, em sua opinião, tiram proveito da
migração em massa. “Os ativistas que promovem uma política de fronteiras
abertas têm interesses além das pessoas inocentes e comprometem os
direitos humanos”, afirmou. “Suas políticas são cruéis.” O presidente
disse que todos os países têm “o direito absoluto de proteger” suas
fronteiras. “Incluindo os Estados Unidos”, especificou.
A China
foi outro alvo previsível de Trump, que acusou Pequim de burlar o
sistema e roubar propriedade intelectual. “Para enfrentar essas más
práticas, impusemos tarifas enormes”, recordou. Ele não deu nenhum sinal
de uma possível redução das hostilidades na guerra comercial,
nem mesmo neste momento em que negociadores dos dois países se preparam
para uma nova rodada de conversações no mês que vem. Também advertiu
Pequim quanto à necessidade de respeitar os direitos humanos em Hong Kong, onde há meses são realizados protestos em massa contra o controle chinês.
No
primeiro dia da Assembleia Geral, Trump esteve rodeado de líderes que,
em maior ou menor grau, imitaram seu estilo. Imediatamente antes do
presidente americano, seguindo uma tradição que se repete todo ano desde
1955, abriu a sessão, em sua primeira Assembleia, o brasileiro Jair Bolsonaro,
cujos polêmicos modos lhe valeram o apelido de “mini-Trump”. Depois do
americano, foi a vez do presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi,
ex-general que simboliza a repressão das primaveras árabes, e do não
menos autoritário presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Enquanto Trump
se dirigia ao mundo, continuava crescendo seu último escândalo
doméstico: as acusações de que, em julho, ele pediu ao presidente da
Ucrânia, Volodimir Zelenski, que investigasse o ex-vice-presidente Joe
Biden — favorito para conseguir a indicação democrata à Casa Branca — e
seu filho, e de que congelou a ajuda financeira ao país pouco antes de
telefonar para o líder ucraniano. Crescem, entre os democratas, as vozes
que pedem o início de um processo de impeachment contra Trump “por
delitos graves”, mas muitos resistem, pois consideram que o processo
nunca prosperaria no Senado, que tem maioria republicana. Ao chegar à
ONU, Trump voltou a falar de “caça de bruxas”. “Estou liderando as
pesquisas [para as eleições de 2020] e [os democratas] não sabem como me
parar”, afirmou. “O único caminho que têm é o impeachment.”
Vários
meios de comunicação dos Estados Unidos confirmam que a presidenta da
Câmara, Nancy Pelosi, estava se reunindo com figuras poderosas para
discutir a criação de um comitê para abrir um possível julgamento
político de Trump. Ao mesmo tempo, o presidente anunciou seu desejo de
tornar pública a polêmica conversa telefônica realizada com o presidente
da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em julho passado, que é a origem desse
novo escândalo político. O suposto denunciante que alertou sobre a
ligação se ofereceu comparecer perante o comitê do congresso.
No
final do dia de trabalho, durante o qual devem discursar 21 líderes,
espera-se o pronunciamento de Boris Johnson, que estreia em uma
Assembleia Geral em meio a um incêndio doméstico. De manhã, a Suprema
Corte britânica decidiu, por unanimidade de seus 11 magistrados, anular a iniciativa do primeiro-ministro de suspender o Parlamento,
provocando um novo terremoto político a apenas um mês do prazo de 31 de
outubro para a saída automática, com ou sem acordo, do Reino Unido da
União Europeia. Os juízes consideram que a decisão do primeiro-ministro
de fechar o período de sessões em Westminster durante cinco semanas
frustrou a intenção dos deputados de evitar um Brexit selvagem.