Entrevista de Sergio Moro é marcada por acertos, e esquivos de perguntas que comprometeriam a família Bolsonaro
Em suma, Moro mostrou elegância, paciência, evitou as cascas de banana, demonstrou respeito e lealdade ao chefe, não alimentou intrigas e fofocas, não cedeu às tentativas de colocarem-no contra o presidente, não expressou ambições políticas, respondeu todas as perguntas de forma objetiva e, dessa forma, levou ao desespero os militantes que desejavam vê-lo em maus lençóis. A audiência foi a maior registrada no Roda Viva da última década. No Twitter a menção (hasthag) foi a toptrend de segunda-feira (20).
A entrevista.
O ministro Sergio Moro se saiu muito bem no Roda Viva, mesmo com essa configuração de ringue em que o entrevistado é alvo de inúmeras tentativas de leva-lo à lona. Ele mostrou total segurança nas respostas. Jornalista tem que apertar mesmo, apesar de que alguns ali mais pareciam militantes diante de um inimigo.
Decência, preparo, espírito público, coragem: são virtudes raras, que merecem ser enaltecidas, valorizadas. O problema não é um povo ter heróis; mas ter os heróis errados! A hashtag #MoroHeroiNacional foi para o topo do Twitter não foi por acaso.
Janaina sobre Moro no Roda Viva.
“Eu acho graça, leio aqui e ali que Moro é submisso a Bolsonaro, que Moro ‘confessou’ que não questiona Bolsonaro em público. Blá, blá, blá… Eu não me lembro de jornalistas perguntarem aos ministros de Lula por qual razão não o questionavam sobre o mensalão. Também não lembro de jornalistas perguntarem aos ministros de Dilma por qual motivo não se constrangiam com o patrocínio de ditaduras.”
Janaina escreveu ainda:
“Querem constranger Moro para que ele saia e deixe o caminho aberto para colocar alguém que compactue com os desmandos de sempre. Querem que ele entre em confronto com o presidente, para que ele caia.”
Sinceramente nunca dei muita importância para isso. Acho que ali tem um monte de bobageira, nunca entendi muito bem a importância para aquilo. Agora, foi usado politicamente para tentar, vamos dizer assim, soltar criminosos presos, pessoas que tinham sido condenadas por corrupção e, principalmente, tentar enfraquecer politicamente o Ministério da Justiça – afirmou, referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As críticas de Moro.
Moro também criticou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que reclamou da quebra do sigilo telefônico do ex-presidente Lula e da então presidente Dilma Rousseff. Ele afirmou que a decisão de Moro influenciou sua decisão de proibir a nomeação de Lula para a Casa Civil.
– Ele tomou a decisão dele na época, ele que assuma a responsabilidade pela decisão que tomou. Nada ali foi objeto de manipulação ou qualquer espécie de falsidade – declarou.
Em suma, Moro mostrou elegância, paciência, evitou as cascas de banana, demonstrou respeito e lealdade ao chefe, não alimentou intrigas e fofocas, não cedeu às tentativas de colocarem-no contra o presidente, não expressou ambições políticas, respondeu todas as perguntas de forma objetiva e, dessa forma, levou ao desespero os militantes que desejavam vê-lo em maus lençóis.
Outra coisa que chamou a atenção foi a participação de Leandro Colon, da Folha. Não entendo o piti dos militantes do The Intercept e de Glenn Greenwald por não estarem na bancada do Roda Viva. A Folha estava lá já representando a turma! Foi um show de horror à parte.
Questões
Mesmo sem jornalistas responsáveis diretamente pela Vaza Jato, o tema esteve presente em boa parte das perguntas. Como fala decorada, Moro desdenhou do escândalo. “A Vaza Jato é um episódio menor, nunca dei muita importância. Nunca entendi muito bem a importância daquilo. Foi utilizado politicamente para soltar pessoas condenadas por corrupção e enfraquecer o ministro”, disse.
Em outro momento, foi questionado sobre a parcialidade em seu trabalho como juiz. Moro repetiu que os vazamentos que deram origem à Vaza Jato são ilegais e devem ser desconsiderados. Por outro lado, vazou ilegalmente conversas entre a ex-presidenta DIlma Rousseff (PT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em outro caso de evidente parcialidade, Moro adiou um depoimento de Lula que estava previsto para acontecer pouco antes das eleições de 2018, alegando que tal evento poderia ter influência no processo (influência positiva para o PT). Contraditoriamente, o então juiz quebrou o sigilo de uma delação antiga do ex-ministro petista Antônio Palocci, que acabou publicada na imprensa seis dias antes do primeiro turno. Ou seja, adiou algo que poderia favorecer o PT e divulgou o que poderia prejudicar.
Nas duas questões, Moro se esquivou. “Quando fizemos o primeiro depoimento do Lula houve manifestações (…) No caso do Palocci, ele já tinha dado o depoimento. Não vi nenhuma importância”, disse, ao defender que o caso do Palocci foi “super dimensionado”.
Moro “liso”
Moro preferiu se esquivar de temas “delicados”, como o escândalo de corrupção envolvendo o filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro e o caso Queiroz; a manifestação aberta de nazismo do ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim; o caso de corrupção envolvendo o secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten; os ataques de Bolsonaro contra a liberdade de imprensa e jornalistas. “Não cabe ao ministro da Justiça ser comentarista sobre tudo”, foi a resposta padrão de Moro. “Não vim aqui falar sobre o presidente (…) cabe ao presidente fazer avaliações (…) Não preciso ficar externando conselhos que dou ao presidente”, foram algumas de suas respostas.
Enquanto isso…
Já que não foram convidados para o Roda Viva, jornalistas do The Intercept Brasil estiveram ao vivo acompanhando todo o programa e publicando comentários em suas redes sociais. Com audiência que beirava as 14 mil visualizações simultâneas, rebateram as esquivas de Moro e ainda deixaram uma série de perguntas que eles fariam se estivessem lá. Algumas boas perguntas foram feitas pela “bancada oficial”, como afirmou o editor executivo do veículo, Leandro Demori. A grande exceção foi Felipe Moura Brasil, da Jovem Pan, que pouco participou e, quando falou, mais pareceu um assessor do ministro, segundo os analistas.
Segue algumas das perguntas do The Intercept Brasil que ficaram sem resposta:
- O senhor acha a delação de Palocci fraca, por que levantou sigilo seis dias antes das eleições? Nem mesmo o MPF aceitou fechar delação.
PS. Foi perguntado e Moro não respondeu.
- Deltan trouxe da Suíça, em segredo, um pen drive com informações de contas bancárias. Ilegalmente. Um procurador pode ir para um país estrangeiro sem autorização e usar no processo?
- O senhor acha normal que procuradores vazem informações para a imprensa para intimidar réus e delatores?
- O que acha da Lava Jato ter acessado clandestinamente o esquema de propinas da Odebrecht antes da autorização judicial? Pode ser usado no processo?
- Por que o senhor instruiu a Lava Jato a não apreender os celulares de Eduardo Cunha? O que tinha nesses celulares? Ele se declarou contra uma delação do Eduardo Cunha, pediu para ser informado. Disse “Como sabe, sou contra”. Por que era contra? Por que instruiu agentes a não apreender os celulares?
- O senhor autorizou uma devassa na filha de um investigado para tentar prendê-lo. Um cara que morava em Portugal. Há relatos de pressão, inclusive, contra uma criança de 7 anos. Acha normal isso?
- O que quis dizer com “In Fux We Trust”?
- Como Deltan conseguiu ganhar 400 mil reais em um ano, pelo menos, em palestras a partir da Lava Jato?
Não é para puxar o saco não, mas a Jovem Pan, na figura do Felipe Moura Brasil, faz as melhores perguntas, mais técnicas e sem o desejo de lacrar. Convidem alguém da Gazeta do Povo na próxima vez também. O Pravda, digo, a Folha pode ficar de fora: não fará falta alguma.
Foi uma boa experiência no Roda Viva. Jornalistas às vezes duros, mas dedicados. Abaixo desenho do Paulo Caruso. Para quem assistiu, a paráfrase era do Mark Twain, os boatos sobre minha "demissão" foram um tanto exagerados. pic.twitter.com/Nxv7lEzlkI— Sergio Moro (@SF_Moro) January 21, 2020