Em último debate Presidencial nos Estados Unidos das Eleições 2020: Donald Trump e Joe Biden definem seus posicionamentos



Ao entrar no palco para o segundo debate entre candidatos à presidência, o republicano Donald Trump sabia que seria sua última oportunidade de confrontar o democrata Joe Biden diante de eleitores ainda indecisos e produzir alguma mudança significativa na corrida eleitoral.

Na noite desta quinta-feira, 22, o presidente mostrou aos telespectadores uma versão de si mesmo muito diferente do que apresentara há pouco mais de três semanas, em um debate presidencial descrito como "caótico" e uma "experiência de abuso emocional" pela imprensa americana.


O embate ainda teve trocas de acusações duras e inconsistentes e uma evidente animosidade entre os candidatos, mas, de modo geral, o espetáculo assumiu contornos de um debate presidencial americano convencional.

Se, no evento anterior, Trump interrompeu seu adversário dezenas de vezes e se dirigiu a ele de modo agressivo, agora o presidente olhava diretamente para a câmera, não para Biden, e falava em tom pausado e relativamente tranquilo, com gestos mais comedidos e evitando interrupções ou cortes bruscos no raciocínio do oponente.


A mudança de comportamento se estendeu à moderadora do evento, Kristen Welker, da rede NBC. Trump teve o cuidado de pedir à ela licença para falar e fez elogios: "Eu respeito muito o modo como você está conduzindo isso".


No embate anterior, mediado por Chris Wallace, Trump chegou a dizer que o moderador atuava como linha auxiliar de Biden. Wallace perdeu o controle da situação e chegou a gritar com os presidenciáveis. Dessa vez, o fato de os candidatos terem os microfones desligados durante a fala inicial do adversário em cada um dos seis temas também ajudou a manter a organização.


A nova versão debatedora de Trump reflete o entendimento da campanha do republicano de que a artilharia pesada adotada no primeiro debate não funcionou. Depois disso, a vantagem de Biden cresceu mais de dois pontos percentuais, no agregado. Para seus assessores, após passar meses acusando Biden de ser incapaz de debater, Trump ajudou o democrata ao interrompê-lo incessantemente, o que acabou impedindo que Biden, que não é conhecido como um grande debatedor, se enrolasse sozinho ao dar uma resposta mais longa ou responder uma pergunta espinhosa.


O presidente outsider

E embora tenha dito, exageradamente, que 'foi o presidente que mais fez pelos negros americanos desde Abraham Lincoln", que aboliu a escravidão no país, ou que tornou a fronteira com o México muito mais segura, Trump investiu menos em se autopromover e vender seus planos de administração do que a atacar a imagem do oponente. O presidente repetiu várias vezes, em diferentes tópicos, a pergunta: "Você esteve na política por tanto tempo, porque não fez antes?", ou outras variações desse questionamento. Ao comentar sobre a China, Trump deixou claro seu argumento. Disse que Biden é um político tradicional. "Eu não sou um político tradicional, por isso eu fui eleito", afirmou.


Ao falar sobre crime, Trump disparou: "Veja, é só papo, zero ação com esses políticos".


Em outro momento, o republicano afirmou: "Você continua falando sobre todas as coisas que vai fazer, mas você estava lá (no poder) há pouco tempo e não fez nada. Joe, eu concorri por sua causa. Concorri por causa de Barack Obama. Vocês fizeram um trabalho ruim. Se eu achasse que vocês fizeram um bom trabalho, jamais teria concorrido".


As declarações vieram entremeadas por acusações sem provas de que Biden, ex-vice de Obama, ou membros de sua família teriam negócios corruptos em países como China, Rússia e Ucrânia.


Ao lançar essas ideias, Trump apela para a rejeição à fauna política da capital americana e para a simpatia dos eleitores à imagem de empresário outsider, que se aventura na política para ser um gestor capaz de sanear os problemas de políticos profissionais. É um repeteco em relação ao seu discurso de campanha de 2016, mas com uma diferença fundamental: há 4 anos é Trump quem comanda a máquina política do país.


Curiosamente, coube à moderadora Welker apontar essa contradição no argumento de Trump. Questionado sobre porque sua administração ainda não aprovou um novo pacote de estímulo à economia, o que deve deixar milhões de americanos sem renda em novembro, Trump culpou a líder da Câmara americana, a representante democrata Nancy Pelosi. Welker então emendou: "mas você é o presidente".


Trump também buscou mobilizar a insegurança do eleitorado. Acusou Biden de ser um instrumento para democratas mais à esquerda, como o senador socialista Bernie Sanders. O presidente afirmou que Biden pretendia abolir os planos de saúde privados para substituí-los por um modelo 100% público, uma ideia defendida por oponentes de Biden nas primárias do partido e que enfrenta forte resistência dos eleitores. O candidato democrata, considerado moderado, negou que defenda o modelo completamente público e reiterou apoio às empresas de saúde.


Trump afirmou que o programa ambiental de Biden iria abolir a extração de petróleo por meio de uma técnica chamada fracking, que consiste em fragmentar o subsolo rochoso por meio da injeção de água e areia a altas pressões, o que libera o combustível fóssil para a superfície.


Esse tipo de procedimento é usado na indústria petrolífera da Pensilvânia, talvez o Estado mais importante na disputa entre os candidatos hoje, pela configuração do colégio eleitoral americano.


Biden negou que pretenda abolir o fracking, e chegou a desafiar Trump a provar que ele já tenha dito algo assim antes. No entanto, ao fim do debate, Biden fez uma declaração que parece contrariar sua afirmação anterior. "Eu faria a transição da indústria do petróleo, sim, porque a indústria do petróleo polui significativamente", afirmou Biden, e completou:


"Precisamos que outras indústrias façam a transição para chegar, em última instância, a emissões zero de CO2 até 2025." Mais tarde, ele disse que não se referia ao fim da indústria de petróleo, e sim ao corte de subsídios a essa atividade. Trump respondeu imediatamente:


"Basicamente, o que ele está dizendo é que destruirá a indústria do petróleo. Você vai se lembrar disso, Texas? Vocês vão se lembrar disso Pensilvânia, Oklahoma, Ohio?"


A candidatura democrata é o resultado de uma coalizão ampla dentro do próprio partido - com apoiadores mais à esquerda e mais ao centro - e conta ainda com o apoio de republicanos históricos. Assim, não é difícil achar ideias antagônicas nas propostas oferecidas ao candidato.


Joe Biden tem repetido que nesse momento o partido é ele e as ideias que abraçou. Mas nem sempre essas ideias são tão claras e a situação pode gerar insegurança nos eleitores indecisos. Trump explorou essas ambiguidades a fundo. Em sua mensagem final ao público, afirmou: "Eu estou diminuindo impostos, ele quer aumentá-los pra todo mundo. E ele vai impor novas regulações em tudo. Ele vai destruir. Se ele ganhar, vocês verão uma depressão econômica em um grau que nunca viram. Sua aposentadoria irá para o inferno e esses serão dias muito, muito tristes para esse país".

Se esquivando diante de insinuações de que seu filho, Hunter Biden, e outros parentes teriam negócios corruptos ou questionáveis na China ou na Ucrânia, Biden repetiu a fórmula que adotou desde que foi confirmado candidato do partido, durante a convenção democrata, em agosto: se apresentar como o candidato da união nacional, preocupado com as pessoas e as suas vidas.


"Isso (o debate) não é sobre minha família, a família dele, mas sobre a sua família. A classe média está em apuros. Nós deveríamos estar falando disso", afirmou Biden, em um tipo de frase que tem repetido, olhando para a câmera. Dessa vez, Biden não insultou o presidente como no primeiro debate, em que o chamou de palhaço e o mandou calar a boca.


E embora a pandemia de covid-19 e a questão racial sejam os dois assuntos socialmente mais quentes, foi durante uma questão sobre migração que Biden parece ter conseguido encaixar melhor seu discurso da empatia.


Trump foi questionado sobre a política que adotou em 2018 de separar crianças e seus pais após cruzarem ilegalmente a fronteira com o México e que resultou em 545 crianças jamais reunidas aos pais. Sobre isso, ele afirmou que "as crianças estão bem tratadas" e que "estamos tentando reuni-las às famílias". E completou: "Mas muitas dessas crianças vieram sem os pais. Elas vêm por meio de cartéis, coiotes e gangues."



Biden rebateu: "Os coiotes não as trouxeram. Seus pais estavam com elas. Elas foram separadas de seus pais. E isso nos torna motivo de chacota e viola todas as noções de quem somos como nação."


Biden foi lembrado de que o governo Obama teve recorde em deportações. Embora fosse raro, a gestão também separou algumas famílias. E reconheceu as falhas do governo que compôs. Ele admitiu que a gestão Obama demorou pra fazer "o que era certo", em referência à reforma migratória, e prometeu conceder cidadania a 11 milhões de pessoas que vivem ilegalmente nos Estados Unidos e garantir a permanência dos chamados Dreamers, adultos que foram trazidos dos seus países de origem ainda crianças, há décadas, e hoje estão sob risco de deportação para um país que não reconhecem como seu.

Além disso, o segundo debate, que ocorreria em 15 de outubro, acabou cancelado porque Trump contraiu covid-19, e sua campanha recusou um evento virtual entre os candidatos.


A 12 dias da eleição, num momento em que milhões de americanos já exercem seu direito ao voto por correio ou de forma antecipada, o debate desta quinta-feira representava uma oportunidade crucial para que ambos tentassem não apenas levar sua mensagem a uma grande quantidade de eleitores potenciais como também uma diferenciação em relação ao rival.


"Aprendendo a morrer"

O debate teve início com o coronavírus, assunto crucial no país mais afetado pela pandemia no mundo.


Apesar dos 8 milhões de infectados e mais de 220 mil mortos por covid-19, Trump defendeu a gestão de seu governo, afirmando ter alcançado grandes avanços e evitado a morte de 2,2 milhões de pessoas.


"Este é um problema mundial, e eu tenho sido felicitado por líderes de muitos países pelo que conseguimos fazer aqui", disse o presidente americano.


"Estamos aprendendo a viver com ele", afirmou Trump, insistindo que a economia e as escolas precisavam reabrir, e que as pessoas estavam perdendo seus empregos em meio a um aumento de suicídios e problemas com drogas.


Nesse ponto, o candidato democrata foi contundente: "Quem é responsável por tantas mortes não pode continuar a ser presidente".


"Ele disse que estamos aprendendo a viver com ele (o coronavírus). A gente está aprendendo a morrer com ele", disse Biden.


Ataques pela política de imigração


O tema da imigração foi palco de uma das partes mais duras do debate.


Biden criticou a política de Trump para a área, enfatizando especialmente a controversa medida de separar famílias na fronteira com o México.


Como consequência dessa política, que a Casa Branca acabou revogando após forte pressão social, há atualmente quase 500 crianças migrantes que estão sozinhas no país porque seus pais não foram encontrados por terem sido deportados, segundo ativistas do setor.


"Mais de 500 crianças vieram com seus pais. Eles os separaram na fronteira para desencorajá-los a vir", disse o candidato democrata. "Isso nos torna motivo de piada e viola todas as noções de quem somos como país."

Trump se defendeu afirmando que as gigantescas celas de metal dos centros de detenção de imigrantes nos Estados Unidos foram construídas durante o governo Obama, do qual Biden foi vice-presidente.


"Eles colocaram a foto de uma dessas gaiolas horríveis em um jornal e disseram 'olhe para essas gaiolas, o presidente Trump as construiu. Eles haviam decidido construí-las em 2014. Ele fez isso", disse Trump.


Apesar de sua retórica anti-imigração e de um aumento nas prisões de imigrantes sem documentos dentro do país, o número de prisões e deportações durante os primeiros quatro anos de Trump permanece abaixo dos primeiros mandatos da dupla Obama-Biden.


Questionado sobre esses números recordes pela moderadora do debate, o ex-vice-presidente reconheceu que ele e Obama cometeram "um erro".


A sombra de Hunter Biden

Trump já havia adiantado que faria do filho de Biden, Hunter, uma questão central no debate presidencial, e não demorou muito para falar da família do rival e ex-vice-presidente.


O republicano acusou Biden de se beneficiar pessoalmente dos negócios de seu filho na Ucrânia e na China, referindo-se a informações publicadas por alguns meios de comunicação e supostamente com base em dados obtidos de um computador de Hunter.


"Se isso for verdade, então ele é um político corrupto", disse Trump sobre o candidato democrata.


Biden negou a veracidade dessa informação e afirmou que há 50 ex-agentes de inteligência americana que apontam que essas acusações fazem parte de um plano russo para prejudicar sua candidatura.


Além disso, Biden contra-atacou falando sobre as declarações de imposto de renda de Trump e seus laços comerciais com a China, citando uma investigação do The New York Times que revelou que o presidente quase não pagou impostos em seu país durante anos, mas o fez no país asiático.


Isso obrigou o presidente a perder tempo de debate explicando que pagou milhões de dólares "adiantados" em impostos e garantindo que publicaria sua declaração de imposto de renda no futuro, uma prática comum entre políticos e presidentes do país, mas que Trump não fez até o momento.


"Trump esperava arrancar sangue com seus ataques à família de Biden, criando uma polêmica que minaria as possibilidades de seu adversário, líder das pesquisas, mas tudo indica que esta noite ele não atingiu esse objetivo", disse Anthony Zurcher, jornalista da BBC especializado em política americana.


As primeiras pesquisas feitas ainda na noite do evento com eleitores que assistiram ao programa sugerem vitória de Biden sobre Trump. O Instituto YouGov, por exemplo, deu ao democrata margem de 19 pontos percentuais.


Na prática, essas pesquisas indicam que o presidente parece não ter conseguido gerar um evento capaz de chacoalhar as estruturas da corrida eleitoral.


Mais conteúdo

Como é de costume com Trump, durante seus discursos o presidente americano usou vários bordões para falar sobre suas propostas, mas não ofereceu muitos detalhes.


Ele disse, por exemplo, que haverá uma vacina contra o coronavírus em poucas semanas, mas, ao ser questionado sobre o assunto pela moderadora Kristen Welker, da rede televisiva NBC, ele não se aprofundou no assunto.


Trump também se gabou de ser "o presidente que mais fez pelos negros desde Abraham Lincoln (o presidente que aboliu a escravidão)" e de ser "a pessoa menos racista nesta sala".

"Este 'Abraham Lincoln' que temos aqui é um dos presidentes mais racistas que já tivemos na história moderna. Ele joga gasolina em cada um dos incêndios racistas", respondeu Biden sarcasticamente, lembrando que Trump começou sua primeira campanha presidencial dizendo que livraria os Estados Unidos de "estupradores mexicanos".


Biden, por sua vez, ofereceu diversos detalhes sobre seus planos de governo, embora suas declarações não tenham o tom bombástico de Trump.


Ele anunciou, por exemplo, que, se chegasse à Casa Branca, enviaria uma lei ao Congresso para criar um programa de concessão de cidadania para 11 milhões de imigrantes indocumentados e que melhoraria o sistema de saúde ao estabelecer uma opção de seguro de saúde público que geraria mais competição e custos mais baixos. Biden também prometeu um salário mínimo de US$ 15 por hora (cerca de R$ 84).


Em comparação com o primeiro debate, este segundo e último encontro entre Trump e Biden foi muito melhor recebido pelo público.

Parte desse sucesso é atribuído a uma inovação tecnológica: a adoção de um botão para silenciar os microfones dos participantes nos horários determinados para que cada um tivesse minutos de fala sem interrupções do adversário.

A moderadora, Kristen Welker, que muitos americanos decretaram como a "clara vencedora" do debate, também ocupou um lugar de destaque para o público.

Kristen Welker ontem no último debate antes das Eleições Estadunidenses de 2020 (Foto reprodução ABC)


Até Trump, que critica regularmente a rede de jornalistas (NBC) e a acusou de ser "terrível e injusta", acabou elogiando Welker.


"Preciso dizer que respeito a maneira com que você está conduzindo isso aqui", disse o presidente no meio do último encontro cara a cara dessa campanha presidencial.


O público, nas redes sociais, parece concordar com ele.

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