Conflito de Russia x Ucrânia ganha cada vez mais força e vai se moldando
A Rússia aumentou a presença militar na fronteira com a Ucrânia, suscitando temores de uma ampla escalada na guerra civil entre ucranianos e separatistas apoiados pela Rússia na região de Donbass, onde as violações de um cessar-fogo são cada vez mais frequentes. Ao menos 24 militares ucranianos morreram no conflito no primeiro trimestre de 2021, segundo o presidente do país, Volodymyr Zelensky, além de um número desconhecido de baixas entre os rebeldes.
Relatos, fotos e vídeos postados em redes sociais mostram movimentação de um grande número de tanques e blindados na Crimeia, território ucraniano anexado pela Rússia em 2014, e perto da fronteira entre a Rússia e a zona do conflito separatista em Donbass. De acordo com uma reportagem do New York Times, um oficial americano estimou que cerca de 4 mil soldados foram enviados à fronteira recentemente, mas essas projeções variam.
O comandante do Exército da Ucrânia, general Ruslan Khomchak, disse que a Rússia implantou 28 grupos táticos perto da fronteira leste da Ucrânia e na Crimeia, o que totalizaria algo em torno de 20 mil soldados. Ele também disse que a Rússia tem quase 3 mil oficiais e instrutores militares nas unidades rebeldes no leste da Ucrânia.
A Rússia não negou a mobilização de tropas na fronteira, mas não informou números e disse que os movimentos são defensivos e não apresentam ameaça. Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, afirmou na semana passada que é direito da Rússia movimentar suas tropas pelo país como desejar e que isso não deveria preocupar ninguém. A notícia, porém, deixou a Ucrânia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em alerta.
O ministro ucraniano das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, acusou a Rússia de um "agravamento sistemático" da situação em Donbass. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que "exercícios militares e possíveis provocações ao longo da fronteira são jogos tradicionais russos".
A Otan acredita que a Rússia está minando os esforços para reduzir as tensões no leste da Ucrânia. Após uma reunião dos embaixadores da organização na semana passada, um oficial da Otan disse à Reuters que os "aliados compartilham a preocupação sobre as recentes atividades militares em grande escala na Ucrânia [Crimeia] e no entorno [do país vizinho]". "Os aliados também estão preocupados com as violações russas do cessar-fogo de julho de 2020, que resultaram na morte de quatro soldados ucranianos na semana passada", acrescentou o funcionário que preferiu manter o anonimato para discutir o assunto.
O conflito no leste da Ucrânia está congelado há anos, mas bombardeios e escaramuças ainda ocorrem regularmente. As violações do acordo de cessar-fogo estão cada vez mais frequentes, segundo relatórios diários da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O mais recente, de 3 de abril, indica que houve 453 explosões naquele dia apenas nos arredores de Donetsk.
A situação fez com que o Comando dos Estados Unidos na Europa (EUCOM) elevasse o nível de vigilância na região. Nesta segunda-feira, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse à imprensa que o país está "preocupado com a recente escalada de agressões russas no leste da Ucrânia", inclusive com "os relatos credíveis sobre os movimentos de tropas russas nas fronteiras da Ucrânia e da Crimeia ocupada".
Price também salientou que o presidente dos EUA, Joe Biden, garantiu ao homólogo ucraniano que continuará apoiando o país contra as ameaças da Rússia. Em um telefonema com Zelensky, Biden reafirmou "o apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania e integridade territorial da Ucrânia em face da contínua agressão da Rússia no Donbass e na Crimeia".
Neste contexto, Zelensky pediu à Otan que acelere o processo para tornar a Ucrânia um membro da aliança, afirmando que esta é a única maneira de acabar com a luta contra os separatistas pró-Rússia. "A Otan é a única maneira de acabar com a guerra em Donbass. A associação da Ucrânia será um sinal real para a Rússia", tuitou ele após um telefonema com o secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, nesta terça-feira (6).
Essa mobilização de apoio à Ucrânia também gerou reações do lado russo. Ao explicar a movimentação das tropas russas na fronteira com a Ucrânia, Peskov disse também que "ao longo do perímetro das fronteiras da Rússia há um aumento da atividade das forças armadas dos países da Otan, outras associações, países individuais e assim por diante". Segundo o porta-voz, "tudo isto nos obriga a estar atentos". Os russos também acusam a Ucrânia de aumentar a presença militar na região de Donbass.
Risco de guerra?
Segundo o jornalista e analista do Carnegie Moscow Center, Maxim Samorukov, as tensões entre Rússia e Ucrânia começaram a aumentar com a crescente frustração de Kiev com Moscou nas negociações de paz em Donbass, que veio acompanhada de uma grande insatisfação do eleitor ucraniano com Zelensky. Para melhorar sua popularidade em casa, o presidente da Ucrânia lançou mão de uma postura anti-Rússia, mais agressiva nas negociações com o Kremlin sobre o conflito.
Apesar disso, os países afirmam que não querem escalar o conflito na região. Uma guerra neste momento seria desvantajosa para ambos. Samorukov explica que, para a Ucrânia, uma ofensiva em Donbass daria um pretexto para a Rússia, que diz estar comprometida em apoiar as repúblicas autoproclamadas de Donetsk e Lugansk, invadir a região – o que minaria ainda mais o apoio político a Zelensky. Para a Rússia, uma guerra também pode não ser um bom negócio, já que haveria uma renovada pressão do Ocidente sobre a Rússia.