Desacordos entre Países do Mercosul, fazem China invadir bloco visando LUCRAR


Segundo a OMS, as exportações brasileiras estão perdendo espaço na Argentina para o mercado chinês. Nós entrevistamos um analista para saber o que esperar dessa aproximação e como ficam as relações comerciais entre os países-membros do Mercosul com a presença chinesa.


Nas últimas semanas, foi possível observar um contato progressivo da China com outros países sul-americanos no âmbito do comércio e da economia.


No dia 8 de setembro, o Uruguai anunciou sobre os avanços relacionados aos acordos comerciais com terceiros países, particularmente com a China, conforme noticiado. Este acordo a ser assinado seria à revelia do Mercosul, bloco econômico sul-americano que integra junto Uruguai, Argentina, Brasil e Paraguai.


Ao mesmo tempo, ontem (15), a Organização Mundial do Comércio (OMS) anunciou que as exportações do Brasil continuam perdendo espaço para produtos da China na Argentina, ao mesmo tempo em que o país brasileiro continua a ser o principal mercado para as vendas argentinas, segundo o Valor Econômico.

Diante desse cenário, conversou conosco Regiane Nitsch Bressan, professora de relações internacionais da UNIFESP e coordenadora do Observatório do Regionalismo para compreender melhor os passos do gigante asiático em território sul-americano e como os países-membros do bloco estão recebendo esse movimento.



Bressan conta que, depois da desvalorização do real, o Brasil "inundou o Mercosul com produtos brasileiros", exportando principalmente para Argentina. No entanto, Buenos Aires está cada vez mais colocando barreiras a esses produtos para proteger "uma indústria que ainda é incipiente", mas que caminha aos poucos.


"A indústria argentina, quando ela estava para decolar, começou o Mercosul. Quando o bloco foi integrado em 1991 muitas indústrias nascentes argentinas não resistiram à concorrência brasileira. Por exemplo, a produção de produtos linha branca [linha básica] de eletrodomésticos, setor de calçados, vários setores foram atingidos pelos produtos brasileiros", explicou.

Ao mesmo tempo, a professora sinaliza que quando a Argentina percebeu que poderia comprar da China, o país sul-americano começou a comercializar à revelia do Mercosul. No entanto, apesar dessa relação comercial estar mais evidente hoje, Bressan sinaliza que ela é antiga.


"O que vemos hoje, não só pelo lado argentino, mas também pelo uruguaio, é a intenção de querer fazer tramitação de negócios com a China, o que não é novidade dentro do bloco. É claro que Pequim nunca declarou querer efetivar um acordo de livre-comércio, mas é fato que a China vem ocupando o mercado do Mercosul de forma paulatina ao longo dos últimos 20 anos, isso não é novidade", elucidou a professora.

Bressan ainda ressalta que todo o contexto de divergências e dificuldades vivido pelos países-membros do bloco contribui para um protagonismo chinês progressivo, pois Pequim "vai aproveitando algumas brechas, algumas instabilidades, para cada vez mais se inserir com os países do bloco através de boas estratégias comerciais".


Alternativa ao mercado argentino

A especialista explica que, no mercado mundial, o Brasil exporta commodities, já no mercado mercosulino, o país exporta produtos manufaturados uma vez que não existe tarifa aos produtos comercializados dentro do Mercosul. Visto isso, a entrada do gigante asiático nesse mercado é algo a se preocupar.


"É muito grave quando um país terceiro como a China vem ocupando esse espaço porque nós não temos condições de exportar [no âmbito mundial] produtos manufaturados uma vez que os mesmos não são, de maneira geral, muito competitivos."

Para ter uma outra alternativa de comercialização, a especialista salienta que é importante "não só investir na produção, mas também na logística para escoação do comércio exterior, pois temos uma logística muito precária, paga-se muito para exportar os produtos brasileiros".


Entretanto, dentro do Mercosul, a professora diz ser urgente que "os países sentem e negociem, que haja diplomacia", pois todas essas "rixas, rivalidades, picuinhas, discussões" só isolam os Estados-membros e dificultam as negociações.


"Na passagem da presidência do bloco da Argentina para o Brasil, no dia 8 de julho, vemos isolamento entre os países. A cúpula, realizada de forma totalmente on-line, foi transmitida de forma individual, cada país se responsabilizou por transmitir seu discurso e o Paraguai e Uruguai, que não se organizaram, ficaram sem transmissão."

Bressan destaca que é importante "não deixar que divergências políticas" causem isolamento e enfraqueçam o bloco.


Uruguai e China

Conforme citado anteriormente, Uruguai e China se encontram em relações comerciais cada vez mais próximas, chegando perto de um acordo de livre-comércio. Indagada se produtos chineses podem inundar o mercado do Mercosul através desse acordo, a especialista diz que o que deve acontecer é um controle nas alfândegas internas.


"O que pode acontecer é uma fiscalização para controlar se aquele produto é de origem uruguaia, o que dificilmente será, porque o Uruguai praticamente não é um país industrializado, e se o produto vem de fora, vai incidir nele a tarifa correspondente do país."

No caso, um controle alfandegário rígido evitaria o desvio de comércio, entretanto, "o Uruguai ainda não assinou o acordo, ele, até agora, está 'ameaçando' constantemente fazer esse tratado, e isso vai ocasionar mais tensão entre os países do bloco".


Como solução, Bressan aponta que os Estados-membros poderiam negociar aderir a esse livre-comércio com a China e fazer isso de forma gradativa, ou usar essa aproximação Uruguai-China como "uma proposta de elemento de pressão para mudar algumas regras do Mercosul".

"O bloco completou 30 anos e passou por diversos momentos de divergência e estagnação e talvez esse fosse o momento de reajustar as regras, como o próprio Brasil quer, porque nessa empreitada Brasília estaria apoiando Montevidéu. No entanto, nem a Argentina, nem o Paraguai estariam dispostos a aceitar essa hipótese de todos ingressarem nesse tratado."


A especialista recorda que no caso do Paraguai isso seria ainda mais expressivo, uma vez que o país reconhece Taiwan como um Estado independente, o que faz com que a China não queira negociar com Assunção.


Adicionalmente, Bressan chama atenção para o fato de que a Argentina politicamente não apoia uma maior flexibilização do Mercosul, mas vem, cada vez mais, fazendo comércio com a China.


"Isso gera um contrassenso argentino, pois no âmbito ideológico eles defendem medidas baseadas na unidade, não querem esse acordo de livre-comércio com o país asiático, mas em termos práticos é um fato que eles vêm comercializando cada vez mais com Pequim."

Sobre o Uruguai, a professora diz que a postura atual do país diverge bastante de uma anterior, na qual defendia o bloco sul-americano pelos valores da "unidade, coesão e decisões por unanimidade", mas que pela entrada "de um governo mais conservador, de cunho econômico mais liberal, ele acaba agora por pressionar esse comércio com a China".


Brasil e negociação direta com Pequim

Se diante desse cenário seria interessante para o Brasil dar um passo adiante e começar, também, a negociar direto com a China, Bressan diz que se o Brasil quer desenvolver a indústria nacional ou proteger a própria indústria, tal acordo acabaria "minando" esse objetivo.


"A China hoje, em larga escala, é um país extremamente competitivo de produtos manufaturados, então de fato isso acabaria dificultando a evolução da indústria brasileira e dos países do Mercosul."


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