Caravana para o Templo de Salomão era usada para desviar dinheiro da Igreja Universal em Angola, diz escritor

Desde novembro, quatro líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola são julgados acusados de lavagem de dinheiro e associação criminosa. O processo começou com uma rebelião de bispos e pastores angolanos que, em 2019, denunciaram a direção. A IURD diz ser vítima de um golpe e nega os crimes. O escritor Gilberto Nascimento, que segue o caso, conta que, segundo os bispos, caravanas para Israel e para o Brasil eram usadas para retirar dinheiro ilegalmente do país. 



Autor do livro "O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal", o jornalista Gilberto Nascimento acompanha há anos o caso e ouviu os bispos e pastores angolanos que prestaram depoimento à Justima sobre a atuação da igreja brasileira em Angola.


Os religiosas revelaram em detalhes a forma como o dinheiro arrecadado pela Igreja Universal era enviado para o exterior de forma ilícita.


As denúncias foram feitas por um grupo de mais de 300 pastores e bispos que formam a chamada "Reforma", que é a parte da igreja que rompeu com o comando brasileiro da IURD.


"Segundo esses membros, quase a totalidade do dinheiro arrecadado acabava saindo de maneira ilegal do país. Uma das maneiras era por carros, via estradas da Namíbia até a África do Sul. Esse dinheiro seria levado em malas, no forro dos carros, nas portas, e até nos pneus", conta o jornalista.


"Outra forma de evasão seria a organização de caravanas, de peregrinações de fiéis para o Templo de Salomão no Brasil ou para Israel e ainda para outros países da África, como a África do Sul e Moçambique. Eram grupos de 100, 200 e até 300 pessoas, principalmente pastores e suas esposas, e também obreiros e fiéis da igreja. Cada uma dessas pessoas costumava levar entre US$ 10 mil (R$ 57 mil) e US$ 15 mil (R$ 86 mil)", explica.


Este sistema movimentava a cada três meses cerca de US$ 30 milhões, segundo a denúncia, o que totalizaria US$ 120 milhões (mais de R$ 600 milhões). "E muitos desses recursos ajudaram até a manter a TV Record Internacional; outros recursos eram investidos em outros países onde a igreja procurava crescer", diz o autor.


Denúncia similar foi feita em Portugal

A denúncia em julgamento em Angola reforça delação anterior feita pelo ex-bispo Alfredo Paulo, da Universal em Portugal e que também foi responsável pela Venezuela.


"[Alfredo Paulo] contou que ele mesmo era o encarregado de receber estes valores em dinheiro lá em Portugal, que vinham da África do Sul. Ele foi a primeira pessoa a relatar o envio de dinheiro da África para o Brasil e para a Europa. Ele dizia que o Edir Macedo costumava ir para Portugal, de Portugal pegava o seu próprio avião e ia até a África do Sul, e voltava com estes recursos.”


Conforme os depoimentos dados durante o julgamento, que ocorre em Luanda, também haveria desvio de dinheiro através da contratação de obras com empreiteiras portuguesas e pela compra de horários na TV Record África pela IURD.


Essa não é a primeira vez que a IURD sofre processos internacionais. "Ao longo dos últimos 20, 30 anos, a igreja já teve muitos problemas. Tem processos na Argentina, por supostas transações financeiras ilegais, já houve problema no Chile", explica o jornalista.


Contudo, nenhuma outra tentativa chegou tão longe. A Record teve sua emissora de televisão suspensa em Angola, e a IURD perdeu o controle sobre a instituição no país.


O movimento iniciado em Angola pode ter reflexo em outros países da África. "Há ensaios de uma rebelião de bispos também na África do Sul e em Moçambique. Existem grupos de bispos e pastores insatisfeitos com a ala brasileira da igreja", conta Gilberto Nascimento.


Bolsonaro tentou interceder por igreja de Edir Macedo

Aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, o líder da IURD, Edir Macedo, conseguiu pressionar o presidente brasileiro pelo seu apoio. 


O presidente Jair Bolsonaro chegou a mandar uma carta ao presidente angolano João Lourenço, pedindo que intercedesse em favor dos brasileiros. Depois tentou indicar o bispo da Universal e ex-prefeito do Rio, Marcelo Crivella, para ser embaixador do Brasil na África do Sul - indicação que foi retirada em novembro após cinco meses sem resposta sul-africana.


"Essas tentativas não surtiram muito efeito, mas mesmo assim o governo brasileiro não desistiu de manifestar o seu apoio [à igreja brasileira]."


E qual era a importância de Angola para a Igreja Universal?


É sabido que Angola era um dos países em que a igreja mais arrecadava, embora seja um país pobre"

"A proposta da igreja encontrou muita receptividade no país, a prática da igreja é baseada na Teologia da Prosperidade, que difunde a ideia de que a riqueza é uma graça de Deus, é uma bênção de Deus. E à medida que você doar o máximo que você puder a Deus, você vai obter tudo em dobro. Este discurso é muito mais atraente para pessoas com maior dificuldade financeira. A igreja faz muito mais sucesso nos países da África que na Suíça."

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