Em visita à Rússia, Jair Bolsonaro diz ser solidário ao País
Ele já cantou a pedra! Bolsonaro acabou revelando possuir informações privilegiadas sobre a crise Russia-Ucrânia. A Russia será "vítima" do "desgoverno" Biden.
Nas palavras de abertura de seu encontro privado com o presidente russo, Vladimir Putin, nesta quarta-feira (16), Jair Bolsonaro (PL) afirmou que "somos solidários à Rússia".
Ele não disse a que aspecto manifesta solidariedade, mas seu anfitrião está no centro de uma das maiores crises de segurança no mundo desde o fim da Guerra Fria, a tensão com a Ucrânia e o Ocidente, que acusa Moscou de ameaçar invadir o país vizinho.
Mais tarde, em comunicado após a reunião, Bolsonaro tentou diluir o impacto da fala, que será vista negativamente nos Estados Unidos, que eram contra sua vinda à Rússia.
"O mundo é a nossa casa, e Deus está acima de todos nós. Pregamos a paz e respeitamos todos aqueles que agem desta maneira. Afinal, esse é o interesse de todos nós: paz para todo mundo. Nós somos solidários a todos os países que querem e se empenham pela paz", afirmou.
As palavras televisionadas foram, como de praxe, econômicas de lado a lado. O russo afirmou esperar um "encontro produtivo", enquanto o brasileiro enumerou as áreas de cooperação em negociações nas reuniões paralelas ao encontro: defesa, energia e agricultura.
"Estou muito feliz e honrado por esse convite. Somos solidários à Rússia. Queremos muito colaborar em várias áreas, defesa, petróleo e gás, agricultura, e as reuniões estão acontecendo. Tenho certeza que essa passagem por aqui é um retrato para o mundo que nós podemos crescer muito as nossas relações bilaterais", disse o brasileiro.
Ele agradeceu Putin por ter concedido indulto no ano passado a um motorista brasileiro que estava preso na Rússia acusado de entrar no país com uma substância ilegal.
Ambos conversaram, com intérpretes, separados apenas por uma mesinha de centro, em um encontro que teve cerca de uma hora de atraso e durou a mesma quantidade de tempo. Isso indica que Bolsonaro aceitou fazer os testes RT-PCR russos demandados pelo Kremlin para quem fala com o presidente, conhecido por seu temor de pegar Covid-19.
Putin recebeu três doses de vacina; Bolsonaro, nenhuma, e lidera campanha contra imunizantes. Outros líderes, como Olaf Scholz (Alemanha) e Emmanuel Macron (França), recusaram-se a fazer o teste russo por temor de ter dados de DNA roubados, o que pode apontar problemas de saúde potenciais e fragilidades. Nesse caso, foram dirigidos à mesa gigante de 5 metros que virou meme no mundo todo.
Ao fim do almoço, que durou mais uma hora, o brasileiro e o russo concederam uma curta declaração à imprensa e divulgaram um comunicado conjunto. Calçado com coturnos, Bolsonaro, além da fala sobre a solidariedade, fez um aceno a seu público: "Compartilhamos de valores comuns, como a crença em Deus e a defesa da família".
De fato, são bandeiras históricas de Putin, que nesse particular divide retórica com o brasileiro. Na sua fala, anterior à de Bolsonaro, o russo afirmou que apoia "o uso da diplomacia para resolver problemas" e teceu elogio ao multilateralismo, algo que vem fazendo em oposição ao que chama de "isolacionismo americano".
Não houve citação explícita à Ucrânia, como esperado. Bolsonaro reiterou o agradecimento ao apoio de Putin que já era conhecido e não resultou em nada concreto desde 2014 à demanda brasileira de fazer parte como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O brasileiro também agradeceu a Putin por ter defendido a soberania brasileira sobre a Amazônia. "Quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da Humanidade, eu quero agradecer a sua intervenção, que sempre esteve ao nosso lado em defesa da soberania."
O presidente russo apresentou condolências pela tragédia das chuvas em Petrópolis, onde dezenas morreram. O brasileiro, que ainda não tinha falado em público sobre o tema, agradeceu.
A demonstração de "solidariedade" de Putin será lida como apoio nos meios diplomáticos ocidentais, apesar de o Itamaraty sustentar que o Brasil manterá sua linha de independência e defesa de soluções pacíficas de conflitos no mundo todo.
Essa tradição havia sido rompida nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, com a gestão agressiva do expoente da ala ideológica do bolsonarismo Ernesto Araújo. Ele defendia uma aliança carnal com os EUA contra o que chamava de globalismo, caiu em março de 2021 e hoje está licenciado da diplomacia.
Antes da viagem de Bolsonaro, os EUA fizeram gestos para, primeiro, impedir a visita e, depois, para que ele levasse palavras duras a Putin sobre a condução da crise o que evidentemente não acontecerá.
Hoje o Brasil tem o status de aliado preferencial extra-Otan dos EUA, uma condição que lhe dá acesso a parcerias privilegiadas com o mercado de defesa americano. Ambos os países assinaram um acordo militar inédito em 2020, mas até agora ele não rendeu frutos.
Em reunião anterior ao encontro dos líderes, o chanceler russo, Serguei Lavrov, fez críticas aos Estados Unidos e à Otan (aliança militar ocidental) na crise. Ele havia se reunido com seu homólogo brasileiro, Carlos França, e os ministros da Defesa Serguei Choigu e Walter Braga Netto.
Ambos os presidentes divulgaram um comunicado conjunto bastante vago, como costuma ser nesses casos. Os russos estavam interessados em estabelecer contratos mais sólidos para entregar de forma mais constante insumos para fertilizantes, uma preocupação central do agronegócio brasileiro dada a escassez mundial no contexto da pandemia.
Dos US$ 5,7 bilhões vendidos pela Rússia ao Brasil em 2021, 60% se referiam a esses produtos. Na via inversa, o US$ 1,6 bilhão comprado pelos russos são concentrados em produtos primários, como a soja.
Russos deverão adquirir uma fábrica de fertilizantes da Petrobras para cimentar essa relação. Putin também citou o interesse de maior participação da Rosatom, estatal nuclear russa, em pequenas centrais no Brasil. Antes, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), havia dito que a estatal poderá competir para participar do consórcio que retomará as obras da usina de Angra 3.
Depois do encontro com Putin, Bolsonaro visitou a Duma, Câmara baixa do Parlamento russo. E passou por um fórum de empresários Brasil-Rússia, onde repetiu as linhas gerais do seu discurso anterior.