O mundo sai da crise gerada pela pandemia e entra em outra com a suspensão do Nord Stream 2
Erguido para suprir as futuras demandas energéticas da Alemanha, o Nord Stream 2 sempre foi uma questão polêmica entre vizinhos e aliados de Berlim. Agora, quando finalmente ficou pronto, sua certificação foi suspensa devido à crise ucraniana. A Sputnik Brasil ouviu especialista para saber se o governo de Olaf Scholz voltará atrás em sua decisão.
O Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2) estava projetado para ser construído em 2011 e começar a funcionar no final 2012, no entanto, em meio às ameaças de sanções norte-americanas e às tensões geopolíticas, só saiu do papel dez anos depois.
Sendo assim, o gasoduto – que liga a Alemanha à Rússia e tem uma capacidade para transportar 55 mil milhões de metros cúbicos de gás anualmente – só começou a ser erguido em maio de 2018, sendo concluído no final de 2021.
Agora, quando estava finalmente para ser certificado e começar sua operação, na terça-feira (22), Berlim resolver suspender o processo de certificação depois que Moscou reconheceu as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk na segunda-feira (21).
"O governo alemão também congelou o Nord Stream 2 a partir de agora. Nós sempre dissemos que o gasoduto estava em jogo. A Rússia agora violou tudo o que eles estavam prometendo quando diziam que estavam voltando para a mesa de diálogos, e agora eles têm que sentir as consequências também em relação ao Nord Stream 2", disse a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock.
Mesmo com a suspensão, neste momento a Alemanha está perante um grande dilema, uma vez que tanto Berlim como muitos países da União Europeia dependem em larga escala do gás russo. Em 2020, 45% do gás natural importado pela UE era exportado pela Rússia, segundo o Diário de Notícias.
Além das metas interrompidas, há também um grande desgaste financeiro a partir do momento que o gasoduto custou cerca de € 10 bilhões (R$ 60 bilhões), pagos, em sua maior parte pelo governo russo através da Gazprom, mas também por parceiros europeus.
"São prejuízo em dois níveis: o fluxo de gás vai ser muito menor e a recuperação do capital investido vai demorar muito mais tempo para acontecer", analisa o pesquisador.
Na visão de Gonçalves, a crise ucraniana não impactou a decisão alemã visto que a certificação já estava suspensa pela agência reguladora da Alemanha, no entanto, "a sensação que se tem é que Berlim quis fazer um gesto de apoio aos EUA e interrompeu o processo".
De fato, o projeto do Nord Stream 2 tem propósito comercial, segundo Gonçalves, especialmente "após os acordos mundiais obrigatórios [em 2021] para redução do consumo de carvão", contudo, quando há um contrato dessa magnitude, consequentemente "há implicações políticas e pode ser um instrumento de pressão".
"A médio prazo, a Europa pode substituir o gás russo com importações via marítima [por exemplo da Líbia] ou com uma eventual reativação do gasoduto da Argélia e do Marrocos para Espanha e, em seguida, sua extensão até a França e a Alemanha. Só que isso demora anos para fazer e a solução tinha que ser imediata. O mundo em geral está saindo de uma crise criada pela pandemia e entrando em uma outra", aponta.
Porém, o pesquisador elucida que atualmente o gasoduto da Argélia está cortado por conflitos, e neste momento o grande fornecedor de gás para Espanha e Portugal é a Nigéria. Atrás da Nigéria, o gás também vem de uma parte dos EUA e de Trinidad e Tobago.
"Em meio a essa crise, os países menos afetados por falta de gás são Portugal, Espanha, Chipre e Malta, mas o que sofrerão mais será a própria Alemanha, Hungria, o norte da Itália […] e a França de forma marginal. O fato é, afetando a economia alemã, atinge-se todo o conjunto da União Europeia porque é o carro-chefe."
O pesquisador sinaliza que a suspensão da certificação também pode abalar a economia russa se durar muito tempo, uma vez que "Moscou pode não conseguir substituir o mercado europeu".
"A economia russa depende bastante do gás, e a redução de 40% a 50% nas exportações afeta profundamente sua economia, sobretudo se o fundo de reservas russos – que é um dos mais importantes do mundo – for utilizado para defender o rublo que está em depreciação com essa crise […], ao mesmo tempo há a dependência europeia, a questão que se coloca aqui é quem vai resistir mais tempo a esse braço de ferro."
Gonçalves também ressalta que o objetivo russo na Ucrânia tem finalidades militares e políticas, e não tem relação com uma resposta à Alemanha após a interrupção do procedimento de certificação do gasoduto.