UBER FILES: ¨Vendemos uma farsa¨ declara Lobista Irlândes Mark MacGann sobre empresa de veículos de transporte por aplicativo que veio para enfrentar os Táxis
“Estou aqui como delator. Sou aquele que revelou o que ficou conhecido como os Uber Files.” A revelação foi feita por Mark MacGann, outrora um dos nomes mais relevantes na empresa, em entrevista ao The Guardian.
Ele chegou a ser intitulado “criminoso internacional” por taxistas em vários pontos do mundo, participou de “reuniões secretas” em que tinha o objetivo único de tentar persuadir governos, ministros, primeiros-ministros, presidentes e condutores de “algo que afinal se revelou horrivelmente errado e uma mentira”.
E é por tudo isto que MacGann justifica ter tornado públicos milhares de documentos que expõem a verdade escondida daquela que é hoje uma das maiores empresas de transporte de passageiros do mundo, a Uber.
“É sobre corrigir algumas coisas, é sobre fazer o que é certo. Eu sou responsável pelo que fiz. Mas se tentei persuadir governos, ministros, primeiros-ministros, presidentes e condutores de algo que afinal se revelou horrivelmente errado e uma mentira, então cabe a mim voltar atrás e dizer que acho que cometemos um erro. Quero ter este papel e tentar corrigir um erro”, confidencia MacGann.
“Vendemos às pessoas uma mentira”
Mark MacGann foi um dos homens que lideraram os esforços da Uber para assegurar que continuava a ganhar poder e influência sobre governos na Europa, no Médio Oriente e na África. Agora revela-se o delator responsável por tornar públicos mais de 124 mil documentos da empresa.
MacGann diz que decidiu falar porque considera que a empresa conscientemente desrespeitou leis em dezenas de países e enganou parte do mundo sobre os benefícios que o modelo de negócio traria aos motoristas da empresa. Acrescenta que se sente responsável e que isso o levou a tomar a atitude que esteve na origem dos Uber Files.
“Sou, em parte, responsável e essa é a minha motivação para o que estou fazendo e para me ter tornado um delator. Evidentemente que não é uma coisa fácil de se fazer, mas como estive lá naquela altura, como fui eu que falei com os governos, fui eu que impulsionei a campanha na comunicação social, fui eu que disse às pessoas que deveriam mudar as leis porque isso iria beneficiar os condutores e as pessoas passariam a ter mais oportunidades econômicas. Quando se revelou que este não seria o caso, então vendemos às pessoas uma mentira. Como podemos ficar de consciência limpa quando não nos levantamos e assumimos a nossa responsabilidade pela nossa contribuição sobre como as pessoas são tratadas hoje?”.
Mark MacGann não esconde que teve “desavenças com a Uber no passado”, mas explica que decidiu avançar por acreditar que esta “é a coisa certa”, lembrando que não foi nem está sendo uma tarefa fácil ou simples. Agora com 52 anos, Mark reconhece que que foi um dos rostos da equipe principal da Uber e não é parte inocente em toda a conduta que tem descrevido. Em entrevista exclusiva ao jornal britânico, MacGann reconhece que decidiu avançar, em parte, motivado também por remorsos e esclarece por que motivo não o fez antes, optando por se demitir.
“Aquela não era uma cultura em que alguém se podia instigar ou questionar as decisões ou estratégia da empresa. Portanto, em última instância percebi que não tinha qualquer impacto, que estava desperdiçando o meu tempo na empresa e esse sentimento, naquele ponto da minha carreira, combinado com o fato de estar preocupado não só com a minha própria segurança mas também com a segurança da minha família, dos meus amigos, levou ao meu pedido de demissão”, revela.
MacGann foi um dos homens com maior poder na Uber entre 2014 e 2016, o que o coloca no centro de todas as decisões tomadas aos níveis mais altos da empresa durante os períodos em que a empresa estava a forçar a sua entrada em vários mercados mundiais, num claro desrespeito perante as licenças dos táxis.
O delator foi um dos que supervisionaram as tentativas de persuasão a governos para alterar as regulamentações dos táxis e criar um mercado de negócio mais favorável em mais de 40 países e em todos eles com a mesma abordagem de quase guerrilha. “O mantra que as pessoas repetiam de um gabinete para outro era o mantra do topo: não peçam permissão, apenas lancem, vão à luta, recrutem condutores, vão para a rua, façam o marketing e rapidamente as pessoas vão acordar e ver a coisa fantástica que é a Uber”, diz Mark MacGann.
MacGann destaca a facilidade com que a Uber se infiltrou nos mais altos escalões do poder em países como Reino Unido, França e Rússia, classificando a estratégia como “intoxicante”, “profundamente injusta” e “antidemocrática”. “A Uber era o bilhete mais desejado. Tanto entre investidores como no lado político, as pessoas quase que se atropelavam para terem uma reunião com a Uber e ouvir o que tínhamos para oferecer.”
“Mantenham o fogo ardendo”
Quanto às declarações do antigo diretor-executivo Travis Kalanick, – que abandonou o cargo em 2017 -, que disse que “a violência garante o sucesso”, MacGann diz que “pensa que quis dizer que a única maneira de os governos alterarem as regras, legalizarem a Uber e permitirem que crescesse seria manter a luta, manter a controvérsia ardendo – e se isso significasse os condutores da Uber entrarem em greve, bloquearem Barcelona, bloquearem Berlim ou Paris, então esse seria o caminho a seguir”. O agora delator diz agora que esta foi uma tática “muito egoísta” e “perigosa”. “Não era ele que estava nas ruas a ser ameaçado, a ser atacado e a ser espancado e, em alguns casos, baleado.”
MacGann salienta que chegou a ser alvo de ameaças de morte e que foi perseguido e que o todo este terror se alastrou à sua família e amigos. “Taxistas seguiam-me, filmavam onde vivia, batiam à porta, divulgavam fotografias online minhas, de amigos meus, dos filhos de amigos meus.” E qual foi a resposta da Uber ao ver que um dos seus homens fortes estava debaixo de fogo? Seguranças privados, “forçaram-me a ter guarda-costas sempre que saía de casa”, explica.
“Considero que a Uber foi responsável pelo fato de a empresa não ter mudado o modo como agia. A resposta à violência contra um dos seus executivos seniores foi dar-lhe guarda-costas. Não houve qualquer alteração de comportamento, nenhuma mudança nas táticas, nenhuma mudança no tom; foi mantenham a luta, mantenham o fogo ardendo”, refere Mark MacGann.
O jornal britânico The Guardian liderou uma investigação Mundial sobre os documentos tornados públicos por Mark MacGann sobre a Uber, tendo compartilhado os documentos com organismos de comunicação social de todo o planeta, através do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos de Investigação.
Em resposta às acusações, a Uber reconheceu falhas no passado, mas insistiu que a empresa se transformou e alterou as práticas sob a liderança da nova líder, Dara Khosrowshahi, recusando com isso avançar com qualquer pedido de desculpas público. “Não temos e nem vamos pedir desculpas por comportamentos passados que claramente não estão alinhados com nossos valores atuais”, disse um porta-voz ao The Guardian.
Os documentos confidenciais da Uber que foram tornados públicos por Mark MacGann incluem apresentações, notas informativas, relatórios de segurança e dezenas de milhares de e-mails e informações em aplicações como WhatsApp, iMessage e outros softwares de troca de mensagens que as personalidades de maior poder da empresa utilizavam na época.