A visita de Estado de Xi como símbolo da solidariedade eurasiática para uma nova ordem
No começo dessa semana, Xi Jinping realizou uma importante visita de Estado à Rússia, simbolizando mais uma vez que, independentemente das tentativas ocidentais de isolamento do presidente Vladimir Putin, a solidariedade eurasiática continua firme.
Com efeito, muitos enxergaram a presença de Xi em Moscou como um movimento de (re)afirmação da parceria estratégica "sem limites" entre chineses e russos, o que não deixa de ser verdade, porém trata-se de algo maior do que isso. O evento representa uma (re)afirmação da própria Eurásia no âmbito das relações internacionais.
Ao término do encontro, Xi mencionou a Putin que "há mudanças acontecendo agora que não ocorriam há 100 anos" e que ambos os países, Rússia e China, são justamente os responsáveis por promover essa mudança.
Em verdade, se olharmos para o começo dos anos 2000 percebemos que a origem das transformações que vemos hoje deve-se ao aprofundamento das relações entre Moscou e Pequim, que serviram de base para a consolidação da Eurásia como ator político relevante.
No começo do século, documentos oficiais do governo russo já afirmavam, por exemplo, a intenção de Moscou de enfatizar "o desenvolvimento de relações de boa vizinhança e parceria estratégica" com os Estados vizinhos.
Não demoraria muito, portanto, para que Rússia e China assinassem em 2001 o Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação, que estabelecia as diretrizes de sua relação bilateral, baseadas em cinco princípios fundamentais: mútuo respeito pela soberania e integridade territorial, não agressão, não interferência em assuntos internos, igualdade e coexistência pacífica.
Princípios estes presentes no próprio preâmbulo à Constituição da República Popular da China e que balizaram as interações políticas entre russos e chineses desde então.
De pronto, Moscou e Pequim prometiam estabelecer consultas regulares em situações de "ameaça" à segurança e à integridade territorial de um dos Estados, com frequentes consultas militares sendo realizadas de forma periódica pelas partes.
Tais mecanismos consultivos garantiam o fluxo regular de informações entre os dois ministérios da Defesa, auxiliando na formulação de "entendimentos comuns" a respeito de questões-chave da política regional e internacional. Ficava demonstrado então que tanto Rússia quanto China tinham interesse na construção de um polo Eurasiático forte e independente.
Como resultado, em 2005 Rússia e China já conduziam seu primeiro exercício militar conjunto, intitulado "Missão de Paz", que envolveu na época cerca de dez mil soldados. Voltado inicialmente para ações de "contraterrorismo" em sua vizinhança imediata, esses exercícios logo demonstraram a pretensão das lideranças em Moscou e Pequim de defender seus interesses regionais no continente eurasiático.
Outro importante marco das relações entre Rússia e China na Eurásia diz respeito à Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), que conta também com a presença dos países da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão) além de Paquistão e Índia, que se juntaram ao grupo em 2017.
Rússia e China são evidentemente as principais potências da organização, que visa o "fortalecimento da paz e promoção da segurança e estabilidade regionais" e que atua sobretudo contra o terrorismo, o separatismo e o extremismo (religioso) no continente.
Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma verdadeira reestruturação estratégica no continente eurasiático, capaz de limitar a influência indesejada de atores externos à região (leia-se Estados Unidos e União Europeia).
Ora, Moscou e Pequim assumiram a necessidade de promover a organização como um componente essencial de uma ordem mundial multipolar e como uma alternativa ao modelo ocidental de desenvolvimento regional e internacional.